A ideologia que se esconde por trás do Big Brother Brasil
BBB REVIVE CAMPOS DE CONCENTRAÇÃO
Big Brother Brasil, na definição de seu próprio diretor, Boninho, é um jogo de aniquilação, de “cortar cabeças”, no qual a queda é a nova estrela.
Passados para segundo plano, os trabalhadores dessa “novela da vida real” nada mais são que o combustível para uma máquina que nada produz senão a própria queima – essa, sim, arde, brilha, perdura e aparece como única protagonista.
O “paredão” é a ritualização desse descarte “necessário e inelutável”, contra o qual é necessário se mobilizar, aceitar quaisquer provas, lutar e, principalmente, participar sempre.
Mesmo que os participantes tenham plena consciência de que se trata de um programa de TV, cuja jornada tem data para acabar, eles agem como se aquilo fosse, de fato, o jogo de aniquilação que a propaganda alardeia.
E assim, eles agem como se estivessem diante do batalhão de fuzilamento.
O modelo é inspirado no sistema nazista que forjou uma nova forma de ideologia para dispensar a justificação racional da dominação.
Ao contrário do que se costuma pensar, não era o ideário disparatado dos líderes nazistas a fonte da obediência, mas a forma ritual em que se converteu a organização social alemã.
Muitos dos maiores “fanáticos” por Hitler abandonaram suas convicções febris, sem a menor cerimônia, assim que o sistema entrou em colapso. No nazismo, o comando passou a existir sem espírito, como injunção pura e incompreendida.
É nesse foco que se pode assistir às provas eliminatórias promovidas pelo reality show ciceroneado por Pedro Bial: em si mesmas, elas não oferecem sentido algum, não há sequer uma correlação entre elas e os prêmios e castigos distribuídos.
Do mesmo modo, não obstante o mistério completo dos critérios para a eliminação, todos passam seus dias e noites “batalhando” para sobreviver.
Nos campos de concentração nazistas, as chamadas intermináveis, a arrumação impecável das camas, o corte forçado dos cabelos etc forjavam a obediência sem que nenhuma propaganda fosse necessária.
Entre os inúmeros rituais que colocavam as pernas em marcha, mesmo que não houvesse música, o central era a seleção: eis um outro ponto no qual a analogia com o nosso mundo de hoje é possível e perturbadora.
Isso porque, em ambos os casos, lidamos com uma seleção negativa, que não é regida pelo mérito ou utilidade daquele que está no fio da navalha, mas por uma necessidade prévia, inelutável e fantasmagórica de eliminação.
Agora a truculência é o caminho para a glória. Por isso o reality show daTV Globo é próprio à construção da realidade atual.
O Big Brother acabou com o happy end, pois não há fim. O BBB é a brutalidade como forma de espetáculo; é o mal-estar enlatado.
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Leia o conteúdo completo da entrevista da socióloga Silvia Viana sobre os reality shows. O tema virou seu doutorado e foi lançado no livro ‘Rituais de Sofrimento’, no qual revela que a sociedade tem mais semelhanças com o ambiente cruel e brutal dos BBBs do que se imagina.