A mulher e seus climas – uma crônica de Artur da Távola
A MULHER E SEUS CLIMAS
Por Artur da Távola *
“A mulher não é ela. É o clima dela.
Melhor do que perfumes é o cheirinho de banho recente que se descobre no cabelo e na nuca ou de capim cheiroso espalhado no armário e herdado pela blusa ou camisola.
Nada de voz aguda. Um tom médio para grave é preferível. Uma gota de rouquidão incentiva.
Nada de perfeições! Nem de corpo, nem de inteligência e espírito. Só de caráter. Mulher mau caráter é tão raro quanto repulsivo.
O importante é mesmo ter algo de errado no corpo ou no rosto, atraentes. Certos pequenos erros acentuam traços ou detalhes que, isolados, crescem muito e ganham o todo.
O lábio um pouco mais grosso, seios com bicos estrábicos, alguma penugem de que ela não goste mas necessária, o nariz um pouco maior do que ela desejaria, tudo isso aquece a atração.
Carinho tem hora. Não hora marcada, mas hora adivinhada. Carinho fora de hora, eriça.
Olhar de uma tristeza tão antiga quanto encarnações é forte fator de atração. Lágrimas a postos. Sempre.
Por favor, nenhuma bronca com barriguinha ou descuido nosso. Nada de exigências ascéticas, dietéticas, apologéticas ou ideológicas.
Mulher que atrai e mantém o seu homem é a que gosta mais de alguns defeitos dele do que de uma perfeição idealizada ou basbaque certinho demais. Mas honradez ele deve ter…
Mulher deve falar como quem insinua em vez de ordenar. Pedir como quem ajuda; saber esperar. E não pode ficar falando “eu acho” toda hora, nem descuidar-se das unhas dos pés.
Pudor é essencial. Mas um pudor velado, revelado apenas na linguagem sutil mas eloquente de seu corpo, no modo de se encolher na cadeira ou cruzar os pés. Rebolados, só os muito suaves e discretos. Mas evidentes.
Ser friorenta é indispensável.
Se for possível preferir o silêncio – entre reclamar e reinvidicar, salvo quando tenha muita razão, melhor ainda. Se não for assim, que venha a bronca, mas com mansidão. E depois não permaneça a resmungar.
Que goste de eventuais e raros pilequinhos, jamais de alcoolismo.
Que ame beijar. Aprecie e valorize gentileza e adore ser deixada cruzar a porta na frente.
Pisar firme, mas leve. Mulher não deve chegar, deve aparecer. Não deve entrar, deve aproximar-se. Não deve mastigar, deve sorver.
E por favor, cuspir, jamais. Só no consultório dentário…
Ar de brincadeira antes de amar é receita infalível. E dormir o mais encolhidinha possível e depois acordar solta, confiante no sono.
Em viagens é essencial cuidar da gente. E guardar sempre uma surpresa para ser dada de repente.
Sim, ser bela nada tem com ser bonita. É muito mais.
Porque a mulher não é apenas ela. É também o clima dela.”
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Artur da Távola, pseudônimo de Paulo Alberto Moretzsonh Monteiro de Barros (1936 — 2008), foi advogado, jornalista, radialista, escritor, professor e político carioca.
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