Agressividade na Internet distorce percepção de conteúdos
COMENTÁRIOS CIVILIZADOS X GROSSERIAS
No início, reinavam as trevas na comunicação. O dedo da velha mídia pesava sobre o interruptor de luz.
Até que os deuses da tecnologia tiveram a luminosa ideia de criar a Internet e viram que era algo bom.
Finalmente havia um espaço público com potencial ilimitado para o debate racional e a troca de ideias.
Esta espécie de ponte ampliava os horizontes ligando as muitas barreiras geográficas, sociais, culturais, ideológicas e econômicas que nos separam na vida, uma maneira de fazer as coisas livremente.
Mas então uma alma serpentina inventou a seção de “comentários do leitor” e o paraíso foi perdido.
EFEITO GROSSERIA
A Internet, deve ser dito, ainda é um lugar maravilhoso para o debate público. Mas quando se trata de ler e compreender certos posts, este meio pode ter um efeito poderoso sobre a mensagem.
Uma pesquisa feita na Universidade de Wisconson-Madison mostrou que comentários de alguns leitores podem distorcer, e muito, o que outros acham daquilo que foi inicialmente informado nos artigos e notícias.
Mas, neste caso, segundo demonstraram os professores de ciência da comunicação Dominique Brossard e Dietram A. Scheufele, não é o conteúdo dos comentários que importa. É o tom deles.
No estudo publicado na revista acadêmica The Journal of Computer – Mediated Communication, eles relatam uma experiência para medir o que pode ser chamado de “efeito grosseria”.
Foram selecionados 1.183 participantes, instruídos a ler cuidadosamente um post de um blog fictício em que eram explicados os riscos e os benefícios potenciais de um novo produto tecnológico chamado “nanopartícula de prata”.
De acordo com o artigo fake do blog, estes elementos minúsculos de prata, mais finos do que 100 bilionésimos de um metro em qualquer dimensão, teriam vários benefícios potenciais (como propriedades antibacterianas) e riscos (como contaminação da água).
INSULTOS E PALAVRÕES
Em seguida, os participantes eram orientados a examinar os comentários, supostamente publicados no blog fictício por outros leitores, para depois responder às perguntas sobre o conteúdo do próprio artigo.
Metade dos participantes foi exposta a comentários de leitores mais “civilizados” e a outra metade, a opiniões mais “grosseiras”.
Em ambos os grupos, o conteúdo, a extensão e a intensidade dos comentários eram equivalentes, embora variassem entre os que apoiavam a nova tecnologia e os mais cautelosos em relação aos riscos.
A única diferença era que os comentários grosseiros continham palavrões ou insultos pessoais como “Se você não vê benefícios no uso da nanotecnologia neste tipo de produto, você é um imbecil” ou “Você é estúpido se não pensa nos riscos para os peixes, plantas e outros animais por causa da água contaminada com prata”.
Os resultados do experimento foram surpreendentes e perturbadores.
POLARIZAÇÃO
Os comentários mais grosseiros não só polarizaram os leitores que participaram da pesquisa, mas com frequência mudaram a interpretação deles sobre o próprio conteúdo do artigo.
No grupo exposto às reações mais equilibradas, tanto os participantes que apoiaram a nova tecnologia quanto os que a desaprovaram ao ler o texto mantiveram sua opinião depois de ler os comentários.
Já os outros participantes, que leram as manifestações grosseiras, ficaram depois com uma compreensão mais polarizada sobre os riscos da nanopartícula fictícia.
O simples fato de haver um ataque pessoal no comentário de um leitor foi suficiente para fazer os participantes pensarem que as desvantagens da tecnologia fossem maiores do que eles haviam imaginado antes ao ler o texto.
Donde se presume que, embora seja difícil quantificar os efeitos distorcivos da grosseria online, ela também ocorre de maneira substancial e particularmente – talvez ironicamente – na área do jornalismo científico. Ou nas demais.
Cerca de 60% dos norte-americanos que buscam se informar sobre assuntos científicos afirmam que a sua fonte primária de informação é a Internet – ela aparece no topo sobre qualquer outra fonte de notícias.
NOVAS REGRAS
A situação em que vivemos, de uma mídia online emergente, criou um novo fórum público sem as tradicionais normas sociais e o autocontrole que normalmente influenciam nossas trocas de ideias cara a cara com uma pessoa – e este meio determina cada vez mais aquilo que sabemos e o que achamos que conhecemos.
Uma estratégia adotada para diminuir o efeito da grosseria em posts polêmicos foi fechar completamente o espaço de comentários, como algumas empresas de comunicação e blogueiros fizeram.
Outras organizações impuseram regras para favorecer a civilidade entre os leitores de seus sites ou para receber comentários de usuários mais moderados.
Mas, como se diz, é só para enxugar gelo. A interação do leitor é parte do que faz a Internet ser a Internet, como também o Facebook, Twitter e qualquer outra plataforma de mídia social.
Este fenômeno só vai ganhar mais impulso à medida que avançamos para um mundo de celulares e TVs inteligentes em que qualquer tipo de conteúdo se incorpora imediatamente ao fluxo constante de comentários e aos contextos sociais.
É possível até que as normas sociais neste admirável domínio novo mudem mais uma vez – e que os usuários passem a rejeitar ataques mesquinhos de alguém que assina com um pseudônimo e, em vez disso, cultivem o debate civilizado.
Enquanto ainda evoluímos na pré-história da Internet, o instinto de sobrevivência recomenda tomar cuidado com os retrocessos do “efeito grosseria”.
Remix