Antigos relógios com as horas contadas: o cálculo do tempo pelo calor
A TEMPERATURA DA HORA
Do blog ECOnsciência
O tempo é real ou é uma ilusão? Pode o calor ser usado para marcar, calcular o tempo? Em caso positivo, isso poderá ajudar a unificar a relatividade de Einstein com a mecânica quântica. O que os físicos propõem é redefinir o tempo, marcando os tic-tacs de um “relógio termal”, ou seja, usando a temperatura como referência.
NOVOS TEMPOS PARA CALCULAR A HORA CERTA
por Sophie Hebden *
Aquilo que entendemos por tempo não foi sempre a marcha exata de segundos, minutos e horas a que hoje estamos tão acostumados.
No século XIV, as pessoas viviam com dois tipos de tempo:
1- O tempo solar, que começa ao nascer do sol e divide o dia claro em doze horas — e era tudo o que importava para pessoas que cultivavam a terra.
2- O tempo do novo relógio mecânico que, então, surgia.
No verão, a hora solar era mais longa do que a hora do relógio, e no inverno era mais curta.
Assim, talvez não devamos ficar tão perturbados com a proposta do físico Gerard Milburn, que deseja redefinir o tempo mais uma vez.
O que ele quer é construir algo tão estapafúrdio quanto um relógio que marque os seus tic-tacs com base na temperatura.
Por mais estranho que pareça, essa nova visão de “tempo termal” pode ajudar na busca por uma teoria da gravidade quântica.
A ideia é unir a física do muito grande, regida pela teoria da relatividade geral de Einstein, e o mundo quântico do muito pequeno.
Graças às formulações teóricas do físico linguarudo, os cientistas já estão familiarizados com a capacidade do tempo de esticar e contrair, em resposta à força da gravidade ou à velocidade de um objeto.
Mas, enquanto as teorias de Einstein funcionam brilhantemente em grande escala, não há nenhuma maneira fácil de incluir a gravidade e a natureza relativa do tempo na escala atômica.
No regime quântico, o princípio da incerteza impede que você defina espaço e tempo com muita precisão.
“Isto diz que o tempo e o espaço são algo granuloso, eles não são suaves e fluidos, mas, de certa forma, agitados e barulhentos”, defende Milburn, da Universidade de Queensland, na Austrália.
É um pressuposto similar ao de uma equipe que acaba de propor que o esfriamento pós-Big Bang pode ter-se parecido com o congelamento da água.
Na tentativa de alinhavar gravidade e teoria quântica, o normal tem sido tentar identificar alguma coisa física na teoria que funcione como uma aproximação do tempo, explica Milburn.
Ele e seu colega Nick Menicucci, da Universidade de Sidnei, também na Austrália, estão à procura de uma propriedade que possa marcar o tempo igualmente bem em ambos os regimes cósmico e quântico.
O “tempo térmico” serve perfeitamente, argumentam eles, porque se baseia na física da termodinâmica, que usa a estatística para descrever como os fluxos de calor e trabalho em um sistema alteram sua temperatura, volume e pressão.
“A termodinâmica é uma teoria extremamente fundamental, que se aplica em todas as teorias físicas”, diz Milburn, “incluindo qualquer futura teoria quântica da gravidade”.
RELÓGIO TÉRMICO
O tempo térmico seria regulado por alguma coisa atingindo uma temperatura uniforme.
Por exemplo, se você mergulhar uma extremidade de uma barra de aço em um balde de gelo e depois retirá-la, levará um tempo para que as duas extremidades voltem a ter a mesma temperatura.
“Este estado de equilíbrio é chamado de equilíbrio termodinâmico”, explica Milburn.
Ora, mas como é que isso nos ajuda a identificar um novo tipo de marcador do tempo, um novo tipo de relógio?
“Parece contra-intuitivo porque, por definição, um sistema em equilíbrio não muda. Então, nesse sentido, não tenho tempo”, admite Milburn.
Mas o ponto-chave é que quando você tem um sistema gravitacional em equilíbrio termodinâmico, você pode procurar pela probabilidade de encontrá-lo com uma energia específica.
Os físicos descrevem o modo como a energia de um sistema quântico evolui com um termo matemático conhecido como o Hamiltoniano, o qual, por sua vez, determina completamente o fluxo do tempo para o sistema.
“Sabendo isso, você sabe exatamente como um sistema irá tiquetaquear uma vez que você o empurre para fora do seu equilíbrio termodinâmico”, diz Milburn.
Afinal, o tempo é real ou é uma ilusão?
A ideia de relacionar o tempo com a termodinâmica foi proposta pela primeira vez por Carlo Rovelli e Smerlak Matteo, no Centro de Física Teórica em Marselha, na França.
A “Hipótese do Tempo Termal” foi delineada em um artigo intitulado “Esqueça o Tempo”.
Como um físico experimental, o primeiro pensamento de Milburn ao ler o texto foi: “Como podemos medir isso?”
“É uma abordagem extremamente útil na física”, acrescenta Menicucci. “Alguns dos efeitos sobre os quais Rovelli falou realmente desaparecem ou se tornam mais interessantes quando você considera como construir um relógio para medi-los”.
Outros pesquisadores independentes, como o físico Erik Verlinde, da Universidade de Amsterdã, na Holanda, também encontraram sinais, nos anos recentes, de uma ligação subjacente entre a termodinâmica, a gravidade e a teoria de Einstein da relatividade geral.
“É por isso que eu acho que o tempo térmico é uma ideia que vale a pena explorar”, diz Milburn.
Milburn espera ampliar sua compreensão do tempo térmico também para o espaço, chegando a uma teoria que funcione como a relatividade geral, mas que seja válida em todos os lugares – enfim, obter um espaço-tempo térmico.
A termodinâmica pode, esperam eles, fornecer uma maneira natural para descrever a agitação do espaço-tempo em escalas quânticas porque a sua estrutura matemática já está bem equipada para descrever como flutuações termais fazem os átomos e as moléculas se agitarem.
Embora eles ainda não tenham acertado todos os detalhes, estão encorajados por seu próprio progresso, assim como o de alguns outros físicos.
Mas a tentativa de redefinir o tempo é uma tarefa ambiciosa e, enquanto outros estejam impressionados com a audácia do projeto, é necessário ir com cautela.
O próprio Smerlak concorda que a equipe deve ter cuidado para não “passar à frente de si mesmos”, alegando ter construído um protocolo para relógios térmicos, mas acrescenta que eles estão seguindo “uma pista muito interessante”.
Sempre experimentalista, Milburn compreende que, para convencer os mais céticos, suas ideias devem ser testáveis, e isso é algo no que ele está trabalhando.
“Podemos até ser capazes de propor um experimento para testar a abordagem termodinâmica da gravidade quântica, verificando se a gravidade tem um efeito ruidoso sobre os estados quânticos da luz”, diz ele.
“Mas, no momento, tudo isso é conjectura”, conclui o físico.
* Em Inovação Tecnológica (com ilustrações inspiradas no “relógio derretendo” de Salvador Dali)