Crise europeia mostra como o Brasil se salvou com Lula e Dilma
O LEGADO DE UM PRESENTE TUCANO
Todas essas desgraças que vemos acontecer agora na Europa são o produto da implantação de um fundamentalismo de mercado incompatível com o sistema democrático. Imaginemos então o que poderia ter acontecido ao Brasil se o resultado das urnas tivesse sido outro em 2002, 2006 e 2010. O capital nos ensina que ‘presente de grego’ não tem nacionalidade específica; e que ‘em cavalo dado não se olha os dentes’. Principalmente se ainda estivéssemos diante de um pangaré neoliberal tucano.
CAVALO GREGO QUASE TROTOU POR AQUI
por Gilson Caroni Filho *
O que está acontecendo na Grécia, país que perdeu parte significativa de sua soberania, não pode ser atribuído a um raio num dia de céu azul ou a uma saída de emergência para salvar o capital dos credores, mesmo que o preço seja levar o país à falência.
É produto de uma ação planejada há mais de duas décadas pelo laboratório de experimentos do capital financeiro.
A presença permanente de uma equipe da troika (Banco Central Europeu, União Européia e FMI), monitorando o fluxo de empréstimos, a criação de uma conta vinculada destinada exclusivamente ao pagamento do serviço da dívida e aceitação que tribunais de Luxemburgo julguem dissídios, não cabendo ao governo grego qualquer tipo de recurso, são evidências de uma estratégia amadurecida ao longo do tempo.
Trata-se de remover os entraves colocados pelo Estado-Nação e pela democracia à dinâmica capitalista que requer, em última instância, salários baixos e elevadas taxas de poupança.
Pela capacidade do capital de evitar a tributação e condições empregatícias onerosas, através da livre movimentação para outros mercados, o sonho social-democrata se desfaz como uma carta antiga de Bernstein.
Mas voltemos no tempo para irmos aos fatos.
Na década de 1990,o Acordo Multilateral de Investimento( AMI) era negociado na surdina, entre os países desenvolvidos da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico), por iniciativa dos Estados Unidos e da União Européia, com cinco países observadores, entre eles o Brasil, então governado pelo consórcio demotucano.
O que vinha a ser esse documento pôde ser resumido numa frase de Renato Ruggiero, à época diretor-geral da OCDE: “Com este documento estamos escrevendo a Constituição de uma economia global Unificada”.
Assim, ficamos sabendo por que até 1997 as negociações da AMI eram secretas. Ou seja, o acordo não era conhecido nem pelos parlamentares dos países envolvidos.
O sigilo era explicável se conhecermos algumas das condições contidas no documento.
O AMI era uma espécie de carta magna das corporações internacionais concebidas com o objetivo de vigência mundial, para respaldar suas atividades, por cima das instituições e constituições onde atuavam. Uma antecipação do cavalo de Tróia entregue à Grécia recentemente.
Criava uma nação corporativa, virtual, acima das nações convencionais, movida por um único e superior motivo: o lucro do capital internacional.
Nos seus termos conhecidos, os investidores poderiam ingressar em qualquer área, setor ou atividade sem qualquer tipo de restrição, podendo contestar ações políticas ou governamentais, desde que entendessem que qualquer uma delas viesse a prejudicar seus lucros.
Muito ao contrário, o governo deveria assegurar os investimentos externos e garanti-los contra tudo que pudesse afetar sua rentabilidade.
Os governos nacionais deixavam assim de ser guardiões de seus cidadãos e passavam a representar uma espécie de guarda pretoriana do capital externo. E, se não exercesse bem essa função, cada governo passava a ser responsabilizado para cobrir qualquer intervenção do Estado suscetível de reduzir a capacidade das corporações de obterem um lucro maior.
E, veja a terrível coincidência, quem escolheria o foro para tais litígios seria o grande capital, ficando o Estado sem qualquer status jurídico-político, sem poder negar o tribunal escolhido, nem submeter os litígios à arbitragem internacional.
Nesses temos, a nossa soberania — lembremos que eram os tempos de FHC! –, inclusive política, estaria num dos livros-caixa dos grandes conglomerados ou disquetes de organismos multilaterais de crédito. Estaria eliminado todo e qualquer sentido de autodeterminação e independência que ainda pudéssemos ter.
O aparente recuo foi meramente tático.
O que vemos na Grécia é a implantação de um fundamentalismo de mercado incompatível com o sistema democrático. Repletos de volumosas estatísticas e modelos matemáticos arcanos que fornecem a ideologia para o estabelecimento de governos autocráticos, capazes de impor sua vontade a um povo com seus direitos fundamentais subtraídos.
Se tais fatos e manobras chegam a espantar pelo tamanho da queda imposta a países com tradição democrática, imaginemos o que poderia ter acontecido ao Brasil se o resultado das urnas tivesse sido outro em 2002, 2006 e 2010.
O capital nos ensina que “presente de grego” não tem nacionalidade específica.
E que “em cavalo dado não se olha os dentes”. Principalmente se estivermos diante de um pangaré troiano.
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* Gilson Caroni Filho é professor de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), no Rio de Janeiro, colunista da Carta Maior e colaborador do Jornal do Brasil.
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