Crônica sobre o lindo e sensual sotaque das mineiras
O SOTAQUE DAS MINEIRAS
Do blog A Cachaça da Happy Hour (publicado em 15/09/2009)
“O sotaque das mineiras deveria ser ilegal, imoral ou engordar.
Afinal, se tudo que é bom tem um desses horríveis efeitos colaterais, como é que o falar sensual e lindo das moças de Minas ficou de fora?
Porque, Deus, que sotaque! Mineira devia nascer com tarja preta avisando: ouvi-la faz mal à saúde. Se uma mineira, falando mansinho, me pedir para assinar um contrato doando tudo que tenho, sou capaz de perguntar: – Só isso? Assino, achando que ela me faz um favor.
Eu sou suspeitíssimo. Confesso, esse sotaque me desarma.
Certa vez quase propus casamento a uma menina que me ligou por engano, só pelo sotaque.
Os mineiros têm um ódio mortal das palavras completas. Preferem, sabe-se lá por que, abandoná-las no meio do caminho. Não dizem: pode parar, dizem pó parar. Não dizem: onde eu estou?, dizem onde qu’eu tô?
Os não-mineiros, ignorantes nas coisas de Minas, supõem, precipitada e levianamente, que os mineiros vivem – linguisticamente falando – apenas de uais, trens e sôs.
Digo-lhes que não. Mineiro não fala que o sujeito é competente em tal ou qual atividade. Fala que ele é bom de serviço. Pouco importa que seja um juiz, um jogador de futebol ou um ator de filme pornô.
Se der no couro – metaforicamente falando, claro – ele é bom de serviço. Faz sentido…
Mineiras não usam o famosíssimo tudo bem? Sempre que duas mineiras se encontram, uma delas há de perguntar pra outra: – Cê tá boa? Para mim, isso é pleonasmo. Perguntar para uma mineira se ela tá boa é desnecessário…
Há outras. Vamos supor que você esteja tendo um caso com uma mulher casada. Um amigo seu, se for mineiro, vai chegar e dizer: – Mexe com isso não, sô (leia-se: sai dessa, é fria, etc). O verbo mexer, para os mineiros, tem os mais amplos significados. Quer dizer, por exemplo, trabalhar. Se lhe perguntarem com o que você mexe, não fique ofendido. Querem saber o seu ofício.
Os mineiros também não gostam do verbo conseguir. Aqui ninguém consegue nada. Você não dá conta. Sócê (se você) acha que não vai chegar a tempo, você liga e diz: – Aqui, não vou dar conta de chegar na hora, não, sô.
Esse aqui é outra delícia que só tem aqui. É antecedente obrigatório, sob pena de punição pública, de qualquer frase. Aqui! é mais usada, no entanto, quando você quer falar e não estão lhe dando muita atenção: é uma forma de dizer olá, me escutem, por favor. É a última instância antes de jogar um pão de queijo na cabeça do interlocutor.
Mineiras não dizem apaixonado por. Dizem, sabe-se lá por que, apaixonado com. Soa engraçado aos ouvidos forasteiros. Ouve-se a toda hora: – Ah, eu apaixonei com ele…
Ou: – Sou doida com ele (ele, no caso, pode ser você, um carro, um cachorro).
Eu preciso avisar à língua portuguesa que gosto muito dela, mas prefiro, com todo respeito, a mineira. Nada pessoal. Aqui certas regras não entram. São barradas pelas montanhas.
Por exemplo: em Minas, se você quiser falar que precisa ir a um lugar, vai dizer: – Eu preciso de ir. Onde os mineiros arrumaram esse de, aí no meio, é uma boa pergunta… Só não me perguntem! Mas que ele existe, existe. Asseguro que sim, com escritura lavrada em cartório.
No supermercado, o mineiro não faz muitas compras, ele compra um tanto de coisa. O supermercado não estará lotado, ele terá um tanto de gente. Se a fila do caixa não anda, é porque está agarrando lá na frente.
Entendeu? Agarrar é agarrar, ora!
Se, saindo do supermercado, a mineirinha vir um mendigo e ficar com pena, suspirará: – Ai, gente, que dó.
É provável que a essa altura o leitor já esteja apaixonado pelas mineiras. Não vem caçar confusão pro meu lado! Porque, devo dizer, mineiro não arruma briga, mineiro caça confusão. Se você quiser dizer que tal sujeito é arruaceiro, é melhor falar, para se fazer entendido, que ele vive caçando confusão.
Ah, e tem o capaz…
Se você propõe algo a uma mineira, ela diz: capaz!!! Vocês já ouviram esse capaz? É lindo. Quer dizer o quê? Sei lá, quer dizer ce acha que eu faço isso? com algumas toneladas de ironia. Se você ameaçar casar com a Gisele Bundchen, ela dirá: ô dó docê.
Entendeu? Não? Deixa para lá. É parecido com o nem. Já ouviu o nem…? Completo ele fica: – Ah, nem… O que significa? Significa, amigo leitor, que a mineira que o pronunciou não fará o que você propôs de jeito nenhum. Mas de jeito nenhum.
Você diz: – Meu amor, cê anima de comer um tropeiro no Mineirão?. Resposta: – Nem… Ainda não entendeu? Uai, nem é nem. Leitor, você é meio burrinho ou é impressão?
Preciso confessar algo: minha inclinação é para perdoar, com louvor, os deslizes vocabulares das mineiras. Aliás, deslizes nada. Só porque aqui a língua é outra, não quer dizer que a oficial esteja com a razão.
Se você, em conversa, falar: – Ah, fui lá comprar umas coisas.- Que’s coisa? ela retrucará. O plural dá um pulo. Sai das coisas e vai para o que!
Ouvi de uma menina culta um pelas metade, no lugar de pela metade.
E se você acusar injustamente uma mineira, ela, chorosa, confidenciará: – Ele pôs a culpa ni mim.
A conjugação dos verbos tem lá seus mistérios, em Minas…
Ontem, uma senhora docemente me consolou: – Preocupa não, bobo!. E meus ouvidos, já acostumados às ingênuas conjugações mineiras, nem se espantam. Talvez se espantassem se ouvissem um não se preocupe, ou algo assim. Fórmula mineira é sintética… e diz tudo.
Até o tchau, em Minas, é personalizado. Ninguém diz tchau, pura e simplesmente. Aqui se diz: tchau procê ou tchau procês.
É útil deixar claro o destinatário do tchau…”
Felipe Peixoto Braga Netto afirma que não é jornalista, não é publicitário, nunca publicou crônicas ou contos – não é, enfim, literariamente falando, muita coisa, segundo suas próprias palavras. Paulistano, mora em Belo Horizonte e ama Minas Gerais. Embora diga que nunca publicou nada, esta crônica foi extraída do livro ‘As coisas simpáticas da vida’, Landy Editora, São Paulo (SP) – 2005, pág. 82.
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