Festival de música Unsound proíbe o uso de câmeras do celular
CÂMERAS QUE ENCHEM O SACO DA GALERA
Houve um tempo, meio distante, em que as pessoas iam a um espetáculo apenas para ouvir os seus artistas preferidos, acompanhar em mímica as letras das músicas e, se o ritmo contagiasse, dar uma agitada no esqueleto.
De uns 10 anos para cá, os shows se transformaram num ensurdecedor karaokê, de vozes histéricas e desafinadas, iluminados por milhares de displays dos celulares com câmeras embutidas e flashes de máquinas digitais.
Até que a ficha caiu: os músicos começaram a se queixar do comportamento do público nos concertos, pelo fato de a assistência passar o tempo todo tirando fotos com celulares, para serem compartilhadas nas redes sociais, ou de provocar ruído através das conversas com os parceiros do lado.
“A galera está mais interessada em exteriorizar a experiência e não de a interiorizar”, resume o comunicado do importante festival polonês Unsound, que será realizado na Cracóvia, de 13 a 20 de outubro, e que optou por uma medida radical: proibir espectadores e imprensa de tirar fotos.
Mas a coisa anda rolando há tempos: na quinta-feira passada, a cantora americana Fiona Apple não resistiu e mandou o público “calar a boca” quando atuava, em Tóquio, no Japão, perante uma assistência internacional presente num evento da Louis Vuitton.
A galera continuou a zoar e a cantora mandou a letra, dizendo que não passavam de uns “mal-educados”.
A vocalista Karen O, dos Yeah Yeah Yeahs, não ficou atrás e pediu ao público, em pleno concerto em Nova York, para guardar “a merda dos celulares” – o grupo costuma ter à entrada dos seus concertos um cartaz dizendo “não veja o concerto através da câmara do seu celular”.
Também na sua atuação no festival Primavera Sound do Porto, as inglesas Savages fizeram referência ao assunto, pedindo ao público para deixar os celulares de lado.
E muitos outros exemplos poderiam ser mencionados. Até porque o assunto não é novo, embora pareça ficar mais agudo a cada show.
O semiologista Umberto Eco, por exemplo, diz que “o desejo de estar presente com um olho mecânico em vez de um cérebro parece ter alterado mentalmente um contingente significativo de pessoas aparentemente civilizadas”.
É mole? “Os membros de uma plateia que tiram fotos e gravam vídeos em espetáculos e palestras – diz ele – provavelmente saem dos eventos com algumas imagens, mas sem qualquer ideia do que presenciam. Se esses indivíduos passam pela vida fotografando tudo o que veem, estão condenados para sempre a esquecer hoje o que registraram ontem”.
Você se encaixa na definição? Enfim, até entre o próprio público já é recorrente perceber momentos de hostilidade, principalmente quando toda a gente levanta os braços no ar com o intuito de obter o melhor ângulo para tirar uma fotografia.
“Já não escutamos, nem cantamos, optamos antes por comentar no Twitter os acontecimentos a que estamos assistindo” diz o cantor francês Etienne Daho. Na teoria, os enfoques da experiência parecem multiplicar-se. Na prática, podemos passar ao lado da experiência.
No fim das contas, a proibição do festival polonês Unsound inclui fotos e vídeos e a medida é apresentada pela organização como uma experiência de “resistência ao hábito contemporâneo de documentar cada instante”.
Não haverá, no entanto, seguranças impedindo o gesto. A ideia é que o público se auto vigie, censurando os que estiverem a apontar o celular para o palco. A organização garante também que alguns concertos serão registrados discretamente por um fotógrafo do próprio festival.
Forest Swords, Andy Stott, Rhys Chatman, Julianna Barwick ou Underground Resistance são alguns dos muitos nomes que atuarão no festival, sem celulares apontados na sua direção.
Com Público