Papel do design na produção do artesanato brasileiro
Do blog NEMO Design
Existe uma necessidade de promover a revitalização do produto artesanal para que ele se torne mais competitivo no mercado. Isto vem sendo feito através de projetos de design aplicados ao artesanato, para que possa atender aos padrões estéticos atuais. Finalmente o design se populariza e se transforma em sinônimo de modernidade. Mas o design levou muito tempo para alcançar uma maior aproximação com a indústria, o que só ocorreu em menos de duas décadas.
Até os anos 80, o design se restringia a alguns segmentos, mais ligados a nichos de mercado bastante elitizados. Atualmente o design se espalha por outros setores de produção e novas faixas de consumo que emergem com a inclusão social. Há um grande aumento de sua utilização associada a seus princípios no campo social, que apontam para um compromisso com a coletividade, honestidade com o consumidor e compromisso com a preservação ambiental.
O PAPEL DO DESIGN NO ARTESANATO
Por Tânia Neiva Dias da Silva *
O atual sistema capitalista impõe que “nem o artesão nem o industrial trabalhem, em primeira instância, em razão de fatores sociais ou culturais, mas fundamentalmente em função do lucro e da rentabilidade, sem o que eles não poderão manter a regularidade das suas produções”. A afirmação é de José Silveira d’Ávila, pioneiro da serigrafia no Brasil e um dos fundadores da Associação dos Artistas Plásticos Contemporâneos.
Países como o Brasil foram colonizados e moldados para desempenhar o papel de meros mercados da indústria internacional, que cria necessidades para introduzir seus produtos e obter lucros. Isso acarretou a perda das referências culturais próprias, para dar lugar a uma assimilação de outra cultura fora da nossa realidade.
Como coadjuvantes passivos, os produtos industrializados em grande parte de origem estrangeira tomaram conta de nosso país e passaram a participar significativamente de nossos hábitos de compra.
Tais produtos trazem em si, além do seu aspecto físico, uma identidade própria que promove a ideologia favorável ao modelo da cultura dominante, em que a prioridade máxima é o consumo desenfreado, impulsivo e indiscriminado dos mais variados artigos. Eles mudam constantemente o seu apelo visual e estético, concorrendo de forma avassaladora com os produtos artesanais.
Volta às origens e referências culturais
A industrialização tem utilizado abusivamente os recursos naturais e tecnológicos, em uma demonstração de desrespeito ao meio ambiente. Atualmente vivenciamos problemas sem precedentes no que diz respeito à escassez e ao mau uso dos recursos naturais. As empresas – especialmente os grandes grupos corporativos – parecem desprezar essa realidade.
Tendo isso em vista podemos medir a importância do artesanato como uma valorização do trabalho e da criatividade humanas em obediência aos limites da natureza. Por isso o artesanato vem ganhando mais valor em nossa época, talvez por uma necessidade de volta às origens, após tamanha explosão de consumo de produtos industrializados.
A esse respeito escreveu José Silveira d’Ávila: “a importância dos artesanatos na sociedade contemporânea tem seu maior significado e valor estabelecidos pelas referências culturais e humanas de seus estilos”.
A indústria moderna está presa a estruturas rígidas de produção e concentra-se em uma produção massificada que mecaniza todos os processos, apagando os vestígios do trabalho humano. Em contrapartida, o artesão tem a liberdade de dar qualidade e beleza aos produtos que confecciona de forma mais artística, independente de uma tecnologia industrial – ao contrário, dispondo muito mais de sua habilidade manual e criativa.
Acerca da função do artesão na sociedade contemporânea, d’Ávila radicaliza e propõe a “desindustrialização” de alguns setores industriais para abrir oportunidades de emprego na área artesanal. Segundo ele, alguns produtos como sapatos, roupas, alimentos, móveis, etc, podem muito bem ser produzidos de maneira artesanal, o que diminuiria a importação de insumos, bens de produção e energia. Nesse sentido o artesanato deve ser estimulado de maneira estratégica, paralelo com outros sistemas de produção.
Nos países em desenvolvimento, como o Brasil, a produção informal além de atender ao consumo local promove a manifestação da cultura. O artesanato significa, neste caso, uma solução sócio-econômica e educacional.
D’Ávila conclui então que, “sendo as faculdades mentais e as habilidades manuais inerentes ao homem e estando o artesanato diretamente ligado à natureza criativa deste, o artesanato não desaparecerá com o desenvolvimento enquanto o homem tiver cérebro e mãos”.
Revitalização reforça competitividade
Crescem o mercado global e as disputas comerciais, acelerando-se a competitividade. Para que a prática do artesanato sobreviva como atividade economicamente viável e lucrativa, a qualidade do produto artesanal deve ser otimizada para acompanhar as mudanças cada vez mais rápidas de nossa sociedade.
O artesanato chegou até os nossos dias quase que integralmente preservado em seu aspecto tradicional. Atualmente este se depara com alguns problemas na sociedade contemporânea. Os mais importantes seriam:
. Inconstância e baixo volume de produção, características comuns no artesanato, que são incompatíveis com o mercado capitalista, que exige uma produção regular;
. Ausência de um padrão de qualidade pré-estabelecido para a produção;
. Incongruência entre os preços e a qualidade, já que os preços muitas vezes são fixados sem critérios e não raro bastante elevados pelos atravessadores;
. E, além disso, falta de conhecimento sobre as demandas de mercado e público-alvo, o que favorece os produtos industrializados – que têm mais diversidade, passam por constantes processos de inovação e seguem um planejamento de produção.
Nesse contexto, torna-se muito mais difícil para o artesanato concorrer com os demais produtos existentes no mercado. A conclusão é evidente.
Diante dos problemas enfrentados pelos artesãos, existe a necessidade de se promover uma revitalização para que o produto artesanal se torne mais competitivo. Isso vem sendo feito através de projetos de design aplicados ao artesanato, para que este possa atender aos padrões estéticos atuais, visto que o design tem se popularizado nos últimos anos, se transformando em sinônimo de modernidade. O design levou muito tempo para alcançar uma maior aproximação com a indústria, o que só ocorreu nos últimos dez anos.
A liberação das importações no Brasil tornou o mercado mais favorável aos investimentos nesse tipo de projeto. Até os anos 80, o design se restringia a alguns segmentos, ligados a nichos de mercado elitizados. Atualmente o design se espalhou por outros setores de produção e outras faixas de consumo. O que se observa é um grande aumento de sua utilização associada a seus princípios no campo social, que apontam para um compromisso com a sociedade, honestidade com o consumidor e compromisso com a preservação ambiental.
Inovação tecnológica como estímulo
Design pode ser definido como “a melhoria dos aspectos funcionais, ergonômicos e visuais dos produtos, de modo a atender às necessidades do consumidor, melhorando o conforto, a segurança e a satisfação dos usuários”, de acordo com recomendação da CNI – Confederação Nacional da Indústria.
Dessa forma, podemos ver como principal característica do design o planejamento do que será produzido, posicionando o produto no mercado para atender às demandas existentes ou criar novas demandas, reduzindo os custos. O design, portanto, agrega valores ao produto, valores estes que são oferecidos aos consumidores, favorecendo o processo de troca.
O design deve favorecer o processo de desenvolvimento de produto desde a criação, passando pelo projeto, execução e finalmente pela apresentação através dos canais de distribuição. Levando-se em conta as características tradicionais do artesanato, pode parecer contraditório aliá-lo ao design, num processo de inovação tecnológica, dentro de uma proposta conceitual. Mas é preciso ressaltar que a cultura não é estática e não se pode esperar que o artesanato se limite a processos imutáveis, imunes a qualquer influência externa.
Ora, desde a sua origem o artesanato vem sofrendo influências que foram responsáveis por algumas modificações no decorrer do tempo, sejam nas cores, nas formas ou na temática, e ainda assim não perdeu a sua essência original. Em contrapartida, nessa época de intensa globalização, o design volta-se a uma forte busca de identidade cultural, com ânsia de particularidade e necessidade de volta às raízes.
Convergência entre artesanato e design
A artista plástica Heloisa Crocco faz uma interessante colocação a respeito do paradoxo aparentemente existente entre design e artesanato: “Antes antagônica, hoje essa relação pode ser subvertida, na medida em que se estabelece uma convergência produtiva entre um e outro, entre o domínio do fazer artesanal e o conceito do desenho”.
Ou seja, o design pode influenciar o desenvolvimento de produtos, considerando que a produção artesanal tem um ritmo e um volume bem particular. Devem ser resgatados as técnicas e os materiais, conservando os produtos originais. As necessidades e demandas do mercado devem ser consideradas no que diz respeito à mudança de alguns aspectos do produto, desde que isso promova a melhoria da qualidade.
Apesar de todos os problemas, o artesanato brasileiro continua a ser produzido com grande criatividade e alguns esforços para a melhoria da qualidade, conservando suas características originais de produção. Depois de passar por um período em baixa devido à grande procura por produtos industrializados, as tendências da moda atual vêm valorizando cada vez mais, por exemplo, as peças de vestuário e os acessórios feitos artesanalmente.
A moda, condicionada ao lançamento duas coleções anuais, exige atualização constante dos produtos segundo as tendências impostas pelo mercado, que são rapidamente absorvidas pelo consumidor.
Para unir artesanato e moda é preciso ter em mente que a revitalização do processo produtivo não significa interferir no aspecto tradicional nem descaracterizar as técnicas artesanais. Além disso, a simples utilização das técnicas artesanais em peças industrializadas não caracteriza essa união. Ao contrário, o artesanato deve ser usado como uma rica fonte de inspiração, não só em seu aspecto físico, mas principalmente em seu aspecto lúdico e mágico.
* Tânia Neiva Dias Silva é designer graduada em Estilismo e Moda pela Universidade Federal do Ceará e especialista em Metodologia do Ensino das Artes pela Universidade Estadual do Ceará.
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Estatuto do Artesão. Aproveitamos a oportunidade para informar sobre o Projeto de Lei Nº 3.926 / 2004, mais conhecido como Estatuto do Artesão, de autoria do deputado Eduardo Valverde (PT/RO), que em 07/07/2010 foi aprovada em decisão terminativa pela Presidência da Comissão de Assuntos Sociais (CAS) e encaminhado para publicação no Diário do Senado Federal. O Projeto de Lei do Senado (PLS) nº 136, de 2009, que tem por objetivo regular o exercício da profissão de artesão, recomenda, também, a oferta de linha de crédito para financiar a compra de matérias-primas, equipamentos, a comercialização da produção, a criação de certificado de qualidade dos produtos artesanais, a organização de cursos de capacitação e a criação, pelo Executivo, da Escola Técnica Federal do Artesanato, e da outras providencias. Para saber mais acesse Estatuto do Artesão no Blog do BRartesanato. Ted Machado
http://www.brartesanato.com.br/site/index.php?pagina=blog&blog=334