Português é o melhor idioma para a música, garante americano
A LÍNGUA MAIS PERFEITA PARA A CANTORIA
O autor deste curioso texto é o escritor norte-americano Mose Hayward, um cidadão do mundo que viveu no Brasil, em Nova York, Barcelona, Berlim, Tirana, Edinburgh, Belgrado, São Petersburgo e Istambul, e mora atualmente em Paris. Consequentemente, com esta trajetória, fala muitas línguas. Mas como demonstra neste post, a preferência do gringo cosmopolita, pelo menos na música, vai para o português.
POR QUE O PORTUGUÊS É O MELHOR IDIOMA PARA A MÚSICA
É seguro pressupor que quase três e cada quatro dos melhores cantores do mundo vêm de terras onde se fala português.
Temos semba em Angola, marrabenta em Moçambique, fado em Portugal, rock e hip hop em São Paulo, samba e bossa nova no Rio, forró e frevo no Nordeste e música caipira no Centro-Oeste brasileiro…
Vamos parar por aqui, mas uma taxonomia completa dos sons maravilhosos das terras lusófonas poderia seguir indefinidamente.
Se você não está convencido de que os falantes do português são responsáveis pela maioria das melhores músicas do mundo, dedique algum tempo para escoltar os ritmos acima e me diga se não concorda.
A verdadeira pergunta é: o que torna o português tão perfeito para a música? Eu tenho algumas teorias.
1. O português emprega uma variedade enorme de sons vocálicos. Lembre-se de que uma vogal é o que acontece quando você empurra o som para fora da sua garganta, sem bloqueá-lo com a língua, os dentes, os lábios, etc. (O bloqueio ou controle do som cria uma consoante).
Para começar, há vários sons básicos de vogal única (“dígrafos”). Compare o que seu aparelho fonador pode fazer, por exemplo, ao falar português, com o que acontece quando você emprega seu primo menos interessante, o espanhol.
E essas vogais básicas são realmente só o começo. Algumas são ocasionalmente pronunciadas pelo nariz – ou seja, as vogais nasais – como “mãe” e “anjo” enquanto outras são pronunciadas tanto na versão “fechada” quanto “aberta” – como avó e avô.
Tudo isso pode ser muito difícil para falantes do inglês dominar.
Por fim, o português também usa ditongos (duas vogais juntas) e até tritongos (um conjunto de três, coisa muito engraçada para estrangeiros). Um exemplo deste último: “ele delinquiu“.
As vogais são muito importantes para os cantores porque é quando eles abrem mais a garganta. E, quando eles querem estender uma palavra, a maioria escolhe fazer isso na vogal: amooooooooor.
Se você pudesse cantar em qualquer língua, você não iria preferir a grande variedade de opções de vogais que o português oferece? E você não acha que um cantor que cresceu falando com essa variedade de vogais teria uma intimidade maior e uma relação mais flexível com seu aparelho fonador?
2. Por outro lado, o português tem um conjunto limitado de consoantes para atrapalhar.
Cléa Thomasset, uma cantora francesa de samba e chorinho, explicou-me sua teoria de que as consoantes do português que existem são particularmente percussivas se comparadas às da sua língua nativa; alguém pode empregá-las para marcar o ritmo de maneira mais efetiva.
Por exemplo, confira o teatro consonantal de Elis Regina no refrão de “Nega do Cabelo Duro”.
3. A propósito, as consoantes do português tendem a aparecer no início das palavras e sílabas, raramente no final.
Isso deixa seu aparelho fonador aberto para estender o final das sílabas e sem pressa para encerrá-las para chegar à consoante final (para compreender completamente uma sílaba em várias línguas, você deve esperar pela consoante no final).
Não fechar o aparelho fonador também dá um ar de leveza à letra.
4. O som “ão” é relativamente raro em outras línguas, mas bastante comum em português. É bonito, estranho e engraçado: como “ow” do inglês (interjeição que indica dor), mas com o meio da expulsão de ar passando pelo seu nariz.
A maior parte das palavras em português que vieram do latim terminam em “ão” (comparável com palavras latinas do inglês terminadas em “tion” ou “sion”).
Isso torna o “ão” uma terminação bastante comum e disponível para rimas, como na clássica canção de Armando Fernandes, cantada por Clara Nunes: “Vai manter a tradição, vai meu bloco tristeza e pé no chão”.
5. Diferentemente do mandarim chinês e de algumas línguas africanas, o português não é uma língua tonal; pelo menos, os tons (variações de tons) não geram mudança de significado entre as palavras.
E é bastante útil que isso não exista, porque um compositor que levar em conta as mudanças de tom é necessariamente mais limitado nas escolhas de palavras que caberão na melodia.
6. Ao mesmo tempo, como muitas línguas, o português usa mudanças de tom no nível da frase para indicar alguns tipos de significado (surpresa, dúvida, etc.) e, aos meus ouvidos anglófonos pelo menos, essas mudanças são muito pronunciadas.
É comum ouvir mesmo a mais masculina voz brasileira escorregar em uma variedade de falsetes em algumas sílabas para dar ênfase.
Essa ênfase no significado e na variada gama de tons leva os falantes do português a terem os mesmos benefícios em inteligência musical como os falantes de verdadeiras línguas tonais? Eu estou entrando em uma conjectura aqui, mas talvez…
7. “Saudade“: os falantes do português dizem que essa palavra não existe em nenhuma outra língua.
Na verdade é mais traduzível do que eles imaginam (em bósnio, por exemplo: sevdah é bem parecido, em inglês pode ser mais frequentemente traduzida como “nostalgia“) – mas não vem ao caso.
Esse sentimento de nostalgia é celebrado de maneira única nas culturas em que se fala português, e especialmente em suas músicas. Quem mais iria saborear a falta de algo ou de alguém quase ao ponto do êxtase?
A saudade parece que surge constantemente na música lusófona, invocada explicitamente ou não. Por exemplo, esta obra-prima de Dorival Caymmi e Jorge Amado, cantada por Cesária Évora e Marisa Monte.
Deve ser tão doce morrer nas ondas verdes do mar, elas cantam, que parece ser um ciúme estranho por um marinheiro que nunca voltou.
Ou a obra-prima de samba rock, “Carolina”, uma mulher muito difícil de esquecer, como Seu Jorge canta, fazendo uma lista de motivos que a tornam assim. Mas ela não atende suas chamadas e ele está se sentindo só. É claro que deve ser amor. E é claro que é motivado pela falta do ser amado. Isso é a essência das saudades.
O clássico de forró de Dominguinhos “Só Quero um Xodó” vai além: as saudades não são por uma pessoa em particular, mas por alguém que estaria desejando amar o queixoso cantor – confira a versão de Gilberto Gil.
Sim, é disso que tratam as canções de pop e folk em qualquer lugar do mundo. Mas a língua portuguesa tem um vocabulário e uma atitude construída para celebrar essa ideia de saudade mais do que qualquer outra.
8. “Gostoso/gostosa” é um adjetivo que pode significar amável, saboroso, fuckable (comível), bonito e/ou sensual. Uma procura em sites de letras de música retorna centenas de exemplos do uso dessa palavra, mas é a atitude que importa. Eu nunca ouvi o termo empregado ironicamente.
Em seu uso de palavras descaradamente exultantes como “gostoso”, a língua portuguesa parece que nunca toleraria, digamos, a incessante ironia da cultura hipster americana, ou a secura e acidez do francês. E na música, pelo menos, isso é grande coisa. Ironia e humor na música pop tendem a envelhecer rapidamente.
Quando falamos português, elogiamos nossos amados com um entusiasmo sensual. (A única falha é que eles raramente devolvem o favor – como a Carolina do Seu Jorge)
9. A geografia do mundo lusófono abrange as Américas, a Europa e a África, e esse intercâmbio histórico (embora marcado por escravidão, genocídio e guerra) deu a seus músicos acesso a algumas das mais fortes tradições musicais do mundo.
As mesmas influências aplicam-se aos quase tão bons estilos musicais criados por cubanos, americanos dos Estados Unidos e negros peruanos.Os países lusófonos, particularmente o Brasil, são bastante adeptos das absorventes influências musicais de longe e fazer algo totalmente novo a partir delas.
Essas são minhas teorias, que nasceram após anos escutando e amando essas músicas. Eu aprendi português simplesmente para entender minhas canções favoritas. Mas eu sou apenas um fã…
* No Tipsy Pilgrim
Bem… tudo isso que foi descrito aí pode até ser cabível em se tratando de música popular, onde a prosódia é mais flexível mas em termos de uma música mais elaborada, como a chamada música clássica, não funciona. O Português é simplesmente uma língua terrível para se fazer prosódia e ainda está engatinhando. A solução encontrada por muitos cantores é “italianizar” a pronúncia, o que transforma o conjunto num verdadeiro desastre. Justamente o que o autor defende como pontos positivos na língua Portuguesa para facilitar o cantar é o que atrapalha quando se entra na seara mais erudita. As poucas óperas em Português e as canções de compositores eruditos são quase que ininteligíveis devido à dificuldade da construção de uma prosódia orgânica. Cantei anos em coro de ópera e cada vez que aparecia uma obra em Latim ou Alemão eram os meus favoritos. Não há muita alternativa nem a exigência de muitas peripécias vocais para se cantar. Mas em Portguês a coisa muda de figura…