Steve Jobs, visionário e messiânico que não deixou um sucessor
‘BOAS IDEIAS DEVEM SER ROUBADAS’
O pioneirismo de Steve Jobs deve-se principalmente ao valor que deu à intuitividade e ao fácil uso das suas criações. Tido como pioneiro no uso de janelas e de interfaces por voz, por exemplo, nada disso foi inventado por ele. Mas o fundador da Apple percebeu, como sempre disse, que as “boas ideias devem ser roubadas”.
UMA COMPARAÇÃO ENTRE STEVE JOBS E HENRY FORD
Por Ismael Cardoso *
O cofundador da Apple Steve Jobs, que morreu há uma semana vítima de um câncer pancreático que tratava desde 2003, mudou a indústria da mesma forma como Henry Ford transformou no início do século XX, mas falar em legado “não se aplica”. A avaliação é do professor de Comunicação Digital da Universidade de São Paulo (USP) Luli Radfahrer.
“Jobs teve um comportamento messiânico, e a Apple usa muito isso. Ele era com certeza um visionário, mas a gente não vê nada que ele tenha feito que tenha deixado sucessão, o que não diminuiu a obra dele. O trabalho dele não continua, não tem mais o nome dele, o que é uma pena”, afirma o professor.
A crítica ao “legado” de Jobs feita por Radfahrer se explica pelo caráter “fechado” de suas obras. Segundo o professor, as criações de Jobs, mesmo que “bem legais”, não podem ser desdobradas em outras ideias.
“Sou usuário de Mac há 25 anos. Nunca consegui abrir um e mexer, o código é totalmente fechado”, explica.
O grande problema da morte de Jobs é que, apesar de ter inspirado muita gente, ele não fez escola, segundo o professor. “Se por acaso Jimmy Wales e Tim Berners-Lee morrerem, Wikipedia e internet continuam, e esse é o grande erro de interpretação da obra de Jobs”, afirma.
Apesar das críticas feitas pela falta de colaboração que poderia ser originada da obra do executivo, não há dúvida de que ele realmente mudou a forma como as pessoas se relacionam com a informática.
“Ele transformou a tecnologia em algo intuitivo a uma pessoa comum e deu um pouco de luz a uma área que era um pouco sombria. Ele mostrou que entretenimento, educação e trabalho podem ser conduzidos de uma forma mais descolada”, afirma o professor do Departamento de Engenharia de Sistemas Eletrônicos da Escola Politécnica da USP Marcelo Zuffo.
O pioneirismo de Jobs, segundo Zuffo, se deu principalmente ao valor que ele deu à intuitividade e ao fácil uso das suas criações. Tido como pioneiro no uso de janelas e de interfaces por voz, por exemplo, o professor destaca que nada disso foi inventado por Jobs, mas percebeu, como sempre disse, que “boas ideias devem ser roubadas”.
“Ele percebeu que o smartphone é o PC do futuro, e que na vida do usuário entretenimento é importante. Os seus produtos sempre foram muito bem consistentes, bem acabados, inovadores, com estilo sóbrio que não ultrapassa o exagero, e sempre com aquele toque de inovação, quebrando paradigmas”, afirma Zuffo.
Zuffo se considera um usuário “atípico” dos produtos da Apple, e afirma que consegue encontrar defeitos e problemas na criação de Jobs.
Por outro lado, ele diz que não há como negar que todos os produtos produzidos pela Apple na era Jobs foram consistentes e, mesmo caros, eram uma certeza de investimento em inovação. “Cada centavo é reinvestido em novos produtos”, afirma.
O professor de Comunicação Digital da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) Eduardo Pellanda, concorda com os títulos de “inovador” e “visionário” dados ao cofundador da Apple.
“Ele tinha uma sacada muito diferente em relação ao produto. Ele era completo, um executivo que ao mesmo tempo pensava o produto e convencia as pessoas que precisam daquele produto. Ele era único. Nenhum outro CEO consegue mostrar os produtos como ele, ninguém jamais esteve tão envolvido em como pensar e em como planejá-los”, afirma. “Essa relação com a tecnologia mais do ponto de vista do uso do que a com a tecnologia em si é uma marca do Jobs”, diz Pellanda.
Segundo o professor, dados como tamanho da tela, tipo da tela, quantidade de megapixels da câmera e velocidade do processador não importavam para Jobs no lançamento de um novo gadget. “Era a experiencia que valia. E às vezes é muito mais corajoso não dar a especificação em nome da usabilidade do que dar”, diz.
A APPLE SEM JOBS
A grande dúvida que fica daqui para frente é qual vai ser o futuro da Apple sem seu maior nome à frente da empresa.
Para Pellanda, não há motivos para se preocupar, pelo menos nesses primeiros tempos. “Ele deixou muitos projetos encaminhados e uma filosofia muito grande. A gente vai continuar com o mesmo ritmo de inovação nos próximos quatro ou cinco anos. Depois disso é que se pode começar a sentir falta”, avalia.
Zuffo acredita que a empresa só precisa se reorganizar para aprender a viver sem Jobs. “Ele sempre se cercou de pessoas extremamente competentes, algumas com a mesma visão que a dele, mas não com a mesma capacidade intelectual”, afirma.
Para o professor da USP, a “pegada intelectual” forte que Jobs deixou criou uma legião de aficcionados, comprando produtos como se fossem “artigos religiosos”. “Ele deixa muito dinheiro e deixa projetos, mas cabe à empresa se estruturar e se organizar”, diz.
O primeiro “tropeço” anunciado por analistas, pelo menos até agora, não se confirmou. O iPhone 4S foi lançado um dia antes da morte de Jobs, foi o primeiro produto sem ele no cargo de CEO e acabou frustrando muita gente por se mostrar apenas uma atualização do iPhone 4. Mesmo assim, já bateu recorde e registrou 1 milhão de pedidos no primeiro dia de pré-venda.
As críticas ao lançamento, segundo Radfharer, foram infundadas. “A Apple evolui em passos ímpares. O iPhone 4S era só uma correção de produto, como a Apple sempre fez, não teve nada de errado”, afirma. “O ciclo está perfeito, as pessoas estavam esperando muito mais em um tipo de expectativa que não fazia nenhum tipo de sentido”, concorda Pellanda.
A diferença, no entanto, era o homem em cima do palco, segundo o professor da PUCRS. “Jobs venderia aquele iPhone 4S de uma maneira muito mais cool que o Tim Cook (efetivado no cargo de CEO da Apple assim que Jobs renunciou, em agosto) vendeu”, avalia.
“A Apple é uma empresa de um homem só que está tentando se equilibrar. Jobs era centralizador, arrogante e obsessivo em torno do desenvolvimento de produtos, no que ele foi visionário. Ele tinha uma visão muito assertiva disso, ele se moldou ao tempo para dar aqueles shows espetaculares. Mesmo nessa situação de doença ele nunca deixou de se dedicar ao desenvolvimento de produtos”, diz Zuffo, para quem o iPhone 4S ainda tem muito do estilo de Steve Jobs.
Na avaliação de Radfahrer, a Apple até pode “estancar” em um primeiro momento, mas vai continuar fazendo bons produtos. “A gente vai ver que tinha muito mais gente fazendo coisas fantásticas dentro da Apple além do Jobs”, aposta.
STEVE JOBS MORRE AOS 56 ANOS
O cofundador e ex-presidente do conselho de administração da Apple morreu em 6 de outubro aos 56 anos, vítima de um câncer no pâncreas que vinha tratando desde 2003.
Perfeccionista, criativo, inovador e ousado, ele ajudou a tornar os computadores mais amigáveis e revolucionou a animação, a música digital e o telefone celular.
Jobs marcou o mundo da tecnologia ao apresentar produtos como o Macintosh, o iPod, o iPhone e o iPad.
Afastado da empresa desde 17 de janeiro para cuidar da saúde e sem prazo para voltar, o executivo renunciou ao cargo em 24 de agosto. “Sempre disse que, se chegasse o dia que eu não pudesse mais cumprir minhas funções e expectativas como CEO da Apple, seria o primeiro a informar. Infelizmente, esse dia chegou”, dizia a nota à época.
A saúde de Jobs virou notícia em 2004, quando ele anunciou que passara por uma cirurgia para remover um tipo raro de câncer pancreático, diagnosticado em 2003, e que a operação fora bem-sucedida. Depois, em 2009, Jobs fez um transplante de fígado e ficou afastado da companhia que fundou ao lado do engenheiro Steve Wozniak por vários meses.
Mesmo com as licenças, Jobs continuou ativo na tomada de decisões da empresa, chegando se reunir a portas fechadas com o presidente americano, Barack Obama, em fevereiro, e lançar o iPad 2, em março, surpreendendo ao subir ao palco para apresentar o produto.
Detalhes do estado de saúde de Jobs sempre foram um mistério.
Uma fotografia que mostrava o executivo muito magro e com aparência debilitada (sobre a qual recaíram suspeitas de manipulação) foi publicada pelo site americano de celebridades TMZ dois dias após ele ter deixado o cargo de presidente-executivo da Apple.
Em fevereiro, Jobs foi fotografado pelo jornal americano The National Enquirer na mesma clínica onde o ator Patrick Swayze, morto em setembro de 2009, recebeu tratamento para câncer de pâncreas.
* No Terra
Sem falar que o lado obscuro de SJ também revelava um caráter completamente sovina, como se diz por aqui, “mão-de-vaca” mesmo! Contrariando a praxe dos empresários bem-sucedidos nos EUA, não há registros públicos de doações pessoais para nada, apesar de uma fortuna estimada em US$ 7 bilhões.
http://www1.folha.uol.com.br/mercado/989298-legado-de-steve-jobs-esconde-seu-lado-obscuro.shtml