Teoria, experimento e reflexão sobre a violência urbana
A VOLTA DA TEORIA DAS JANELAS PARTIDAS
“Numa situação em que os homens vivem sem outra segurança senão a que lhes pode ser oferecida por sua própria força, a sua vida é solitária, pobre, sórdida, embrutecida e curta” — do teórico e filósofo político inglês Thomas Hobbes, ao descrever o “estado de natureza” em sua obra Leviatã.
Violência urbana é a expressão que designa o fenômeno social de comportamento deliberadamente transgressor e agressivo pelo conjunto dos cidadãos ou por parte deles, nos limites do espaço urbano.
Tem qualidades que a diferenciam de outros tipos de ação violenta praticados individualmente ou em grupo, e se desencadeia em consequência das condições de vida e de convívio social.
Sua manifestação mais evidente são os altos índices de criminalidade grave. Todavia, a mais constante é a infração dos códigos elementares de conduta civilizada. Por isto, vale a pena refletir sobre este viral que anda circulando há tempos na rede:
A TEORIA DAS JANELAS PARTIDAS
Em 1969, na Universidade de Stanford (EUA), o Prof. Phillip Zimbardo realizou uma experiência de psicologia social. Deixou dois carros abandonados na via pública — dois veículos idênticos, da mesma marca, modelo e até cor.
Um foi largado no Bronx, na altura uma área pobre e conflituosa de Nova York, e o outro ficou em Palo Alto, uma zona rica e tranquila da Califórnia. Ambos monitorados à distância.
Dois veículos idênticos abandonados, dois bairros com populações muito diferentes e uma equipe de especialistas em psicologia social estudando a conduta das pessoas em cada local.
Resultou que o automóvel abandonado no Bronx começou a ser vandalizado em poucas horas. Perdeu as rodas, o motor, os espelhos, o rádio, etc. Levaram tudo o que fosse aproveitável e aquilo que não puderam levar, destruíram.
Contrariamente, o outro veículo gêmeo abandonado em Palo Alto manteve-se intacto.
VANDALISMO DE RICO
É comum atribuir à pobreza as causas de delito; atribuição em que coincidem as posições ideológicas mais conservadoras — tanto de direita quanto de esquerda.
Contudo, a experiência em questão não terminou aí. Quando o carro abandonado no Bronx já estava totalmente desfeito e o de Palo Alto estava há uma semana impecável, os investigadores partiram um vidro do automóvel de Palo Alto.
O resultado foi que se desencadeou o mesmo processo que o do Bronx, e o roubo, a violência e o vandalismo reduziram o veículo ao mesmo estado que o do bairro pobre.
Por quê que o vidro partido no carro abandonado num bairro supostamente seguro é capaz de disparar todo um processo delituoso?
Não se trata de pobreza. Evidentemente é algo que tem que ver com a psicologia humana e com as relações sociais.
A PRÁTICA DA TEORIA
Um vidro partido num veículo abandonado transmite uma ideia de deterioração, de desinteresse, de despreocupação que vai quebrar os códigos de convivência, como de ausência de lei, de normas, de regras, como o “vale tudo”.
Cada novo ataque que o automóvel sofre reafirma e multiplica essa ideia, até que a escalada de atos cada vez piores, se torna incontrolável, desembocando numa violência irracional.
Em experiências posteriores (James Q. Wilson e George Kelling), desenvolveram a Teoria das Janelas Partidas.
Do ponto de vista criminalístico ela também conclui que o delito é maior nas zonas onde o descuido, a sujeira, a desordem e o maltrato são maiores.
Se se parte um vidro de uma janela de um edifício e ninguém o repara, muito rapidamente estarão partidos todos os demais. Se uma comunidade exibe sinais de deterioração e isto parece não importar a ninguém, então ali se instalará o delito.
Se se cometem “pequenas faltas” — como estacionar em lugar proibido, exceder o limite de velocidade ou ultrapassar um semáforo ou sinal de trânsito vermelho — e as mesmas não são sancionadas, então começam as faltas maiores e logo delitos cada vez mais graves.
Se se permitem atitudes violentas como algo normal no desenvolvimento das crianças, o padrão de desenvolvimento será de maior violência quando estas pessoas forem adultas.
Se os parques e outros espaços públicos deteriorados são abandonados pela maioria das pessoas (que deixa de sair das suas casas por temor a criminalidade) , eles são progressivamente ocupados pelos delinquentes.
TOLERÂNCIA ZERO
A Teoria das Janelas Partidas foi aplicada pela primeira vez em meados da década de 80 no metrô de Nova York — quantos filmes policiais trataram do tema — que havia se convertido no ponto mais perigoso da cidade.
Começou-se por combater as pequenas transgressões: graffitis deteriorando o lugar, sujeira das estacões, alcoolismo entre o público, evasões ao pagamento de passagem, pequenos roubos e desordens.
Os resultados foram evidentes. Começando pelo pequeno conseguiu-se fazer do metrô um lugar seguro.
Posteriormente, em 1994, Rudolph Giuliani, prefeito de Nova York, baseado na Teoria das Janelas Partidas e na experiência do metrô, impulsionou a sua bem sucedida política de “Tolerância Zero” — que passou a ser copiada em várias capitais mundiais.
A estratégia consistia em criar comunidades limpas e ordenadas, não permitindo transgressões à Lei e às normas de convivência urbana. O resultado prático foi uma enorme redução de todos os índices criminais da cidade de Nova York.
A expressão “Tolerância Zero” soa a uma espécie de solução autoritária e repressiva, mas o seu conceito principal é muito mais a prevenção e promoção de condições sociais de segurança.
Não se trata de linchar o delinquente, nem da prepotência da polícia, de fato, a respeito dos abusos de autoridade que também devem estar sujeitos à tolerância zero.
Não é tolerância zero em relação à pessoa que comete o delito, mas tolerância zero em relação ao próprio delito.
Trata-se de criar comunidades limpas, ordenadas, respeitosas da lei e dos códigos básicos da convivência social humana.