Usinas nucleares do Japão foram construídas sobre falhas geológicas

Usina Nuclear

GANÂNCIA, CORRUPÇÃO E DESPREZO PELA VIDA HUMANA

A denúncia que vem a seguir é muito grave, pois confirma o que todos supeitavam: juízes, advogados, engenheiros, técnicos, empresários e políticos do Japão sabiam, sim, que o programa nuclear e a usina de Fukushima em particular ofereciam sérios riscos à população, como ficou confirmado com a tragédia do terremoto seguido de tsunami de 11 de março passado.

A matéria do jornal The New York Times é longa, mas trata-se de um documento muito bem elaborado para ser lido com atenção por aqueles que se preocupam com os riscos de utilização comercial da energia nuclear para a produção de eletricidade, seja aonde for, principalmente quando decisões de tamanha importância são tomadas no impulso da ganância financeira.

Do blog ECOnsciência

AUTORIDADES JAPONESAS IGNORARAM OU OMITIRAM RISCOS NUCLEARES

Previsão de sequência assustadora de eventos em Fukushima Daiichi, pós-terremoto de março, surgiu há uma década para fechar outra usina.

Advogados argumentaram que a usina nuclear não poderia aguentar o tipo de terremoto de grande magnitude que novas pesquisas dizem ser prováveis na região.

No caso de um grande terremoto, a energia elétrica poderia falhar, juntamente com os geradores de emergência, prejudicando o sistema de esfriamento, previram os advogados. Os reatores então sofreriam um colapso e começariam a vazar radiação no ar e no mar. Dezenas de milhares de pessoas da área seriam forçadas a deixar a área.

Embora as previsões pareçam assustadoramente com a sequência de eventos que aconteceu na usina de Fukushima Daiichi após o terremoto de 11 de março e o subsequente tsunami, elas foram usadas há quase uma década para fechar uma outra usina, há muito considerada a mais perigosa do Japão, a estação Hamaoka (foto).

Perigo atômico à beira mar

Foi uma das várias batalhas jurídicas quixotescas travadas – e perdidas – na longa tentativa de melhorar a segurança nuclear e forçar as empresas de energia do Japão, as autoridades reguladoras e os tribunais a encarar os perigos representados por terremotos e tsunamis em alguns dos locais mais sismicamente ativos do mundo.

Os processos judiciais revelam um padrão preocupante em que as operadoras subestimaram ou esconderam perigos sísmicos para evitar o custo de melhorias e continuar operando. E o fato de que praticamente todas essas ações foram perdidas reforça a crença generalizada de que no Japão há uma cultura de conivência que sustenta a energia nuclear, envolvendo o governo, os reguladores e as operadoras de centrais nucleares, além dos tribunais.

Yuichi Kaido, que representou os queixosos na ação contra a Hamaoka, que foi perdida em um tribunal distrital em 2007, disse que a vitória poderia ter conduzido a normas mais rigorosas para prevenir os danos causados por terremotos e tsunamis em todo o país.

“Esse acidente poderia ter sido evitado”, disse Kaido, que também é secretário-geral da Federação Japonesa de Advogados, sobre o acidente em Fukushima Daiichi. A operadora da usina de Hamaoka, a Chubu Electric Power Co., temporariamente desligou os dois reatores ativos de Hamaoka no fim de semana após um pedido extraordinário do primeiro-ministro Naoto Kan.

Depois de reforçar as defesas da usina contra terremotos e tsunamis, um processo que pode demorar alguns anos, a empresa poderá reiniciar a operação dessa unidade.

COMO EM ANGRA DOS REIS

Todas as usinas japonesas ficam localizadas em áreas costeiras, tornando-as vulneráveis a terremotos e tsunamis. O tsunami pode ter causado os maiores danos à usina de Fukushima, embora novas evidências sugiram que o terremoto pode ter danificado equipamentos essenciais antes do tsunami.

O desastre em Fukushima Daiichi, o pior acidente nuclear desde Chernobyl, levou diretamente à suspensão de Hamaoka em Omaezaki, uma cidade 200 quilômetros a sudoeste de Tóquio. Mas a decisão de Kan também foi claramente influenciada por uma campanha feita ao longo das últimas décadas, por pequenos grupos de manifestantes, advogados e cientistas, que processaram o governo ou as operadoras de usinas nucleares.

Eles foram ignorados pelo público. O assédio de vizinhos, os alertas por parte de empregadores e a relutância dos jovens japoneses em participar de grupos antinucleares têm diminuído o tamanho desses grupos.

Mas desde o desastre de Fukushima e, especialmente, a suspensão de Hamaoka, os manifestantes têm sido vistos como os pregadores da verdade, enquanto os membros da indústria nuclear estão sendo demonizados.

Ação popular contra usinas atômicas no Japão

Na sexta-feira, quando a Chubu Electric desligava um de seus reatores, Eiichi Nagano (foto), 90 anos, e Yoshika Shiratori, 78 anos, estavam lutando contra ventos fortes no litoral para chegar à usina. Shiratori, que liderou a ação judicial, seguia na frente enquanto Nagano adotava uma caminhada alegre e tranquila, apesar das costas curvadas. Os dois homens subiram até o topo de uma duna, parando apenas diante de uma placa que dizia “Entrada Proibida”.

“Naturalmente, estamos satisfeitos com a suspensão”, disse Nagano, enquanto o vento forte parecia ameaçar derrubá-lo. “Mas se nós tivéssemos feito mais, se as nossas vozes tivessem sido ouvidas, poderíamos ter evitado o desastre de Fukushima Daiichi. Fukushima foi sacrificada para que Hamaoka pudesse ser suspensa”.

JUÍZES MUITO SUSPEITOS

Em 1976, um Japão com poucos recursos que ainda se recuperava do choque da crise do petróleo se comprometeu inteiramente com a energia nuclear para conseguir uma maior independência energética, um caminho do qual nunca se afastou, apesar das dúvidas crescentes nos Estados Unidos e Europa sobre este tipo de energia.

Naquele ano, quando o reator número 1 de Hamaoka começou a operar e o número 2 estava em construção, Katsuhiko Ishibashi, sismólogo e agora professor emérito da Universidade de Kobe, divulgou uma pesquisa demonstrando que a usina estava diretamente acima de uma zona sísmica ativa onde agem duas placas tectônicas.

Ao longo dos anos, novas pesquisas apoiariam a avaliação de Ishibashi, culminando em uma previsão feita no ano passado por especialistas do próprio governo de que havia uma chance de quase 90% de um terremoto de magnitude 8 atingir a área nos próximos 30 anos.

Após o terremoto de Kobe de 1995, moradores dessa área começaram a organizar protestos contra a Chubu Electric. Eles finalmente processaram a empresa em 2003 para que parasse os reatores da usina, que já eram em quatro na época, alegando que as normas de resistência aos terremotos do estabelecimento eram simplesmente insuficientes tendo em conta as novas previsões sísmicas.

Em 2007, um tribunal distrital não encontrou problemas de segurança em Hamaoka e decidiu contra os moradores. O juiz pareceu confiar muito no testemunho de Haruki Madarame, professor da Universidade de Tóquio e promotor da energia nuclear, que desde abril de 2010 é o presidente da Comissão de Segurança Nuclear do Japão, um dos principais reguladores nucleares do país.

Testemunhando a favour da Chubu Electric, Madarame afastou a possibilidade de que dois geradores de apoio falhassem simultaneamente. Ele disse que se preocupar com essa possibilidade “tornaria impossível construir qualquer coisa”. Depois do desastre de Fukushima Daiichi, Madarame pediu desculpas por esse comentário ao ser questionado no Parlamento. “Como alguém que promove a energia nuclear, estou disposto a pedir desculpas pessoalmente”, disse ele.

Nos primeiros dias da geração de energia nuclear no Japão, o governo e as operadoras de usinas nucleares garantiram ao público a segurança das instalações com a promessa de que não seriam colocadas em cima de falhas geológicas ativas (veja no mapa abaixo), Ishibashi, o sismólogo, disse em uma entrevista.

Mas ele disse que os avanços da sismologia levaram à descoberta gradual de novas falhas ativas imediatamente acima ou perto de usinas, criando um problema inerente para as operadoras e o governo, levando a uma conclusão inevitável para os críticos da energia nuclear. “O arquipélago japonês é um lugar onde você não deve construir usinas nucleares”, disse Ishibashi.

Avanços em sismologia também levaram a ações judiciais em outros lugares. Apenas dois tribunais emitiram decisões em favor dos moradores, mas esses foram posteriormente canceladas por tribunais superiores. Desde o fim de 1970, 14 processos foram movidos contra o governo ou as operadoras no Japão, que até 11 de março tinham 54 reatores em 18 usinas.

Em um dos casos, as pessoas que moram perto da usina nuclear de Shika em Ishikawa, cidade de frente para o Mar do Japão, processaram o governo para fechar um novo reator no local em 1999. Eles argumentaram que o reator, construído perto de uma falha geológica, havia sido construído de acordo com padrões de resistência aos terremotos ultrapassados.

Placas tectônicas japonesas

Um tribunal distrital ordenou o fechamento da usina em 2006, determinando que a operadora Hokuriku Electric Power Co. não havia provado que o seu novo reator cumpria as normas adequadas de resistência aos terremotos, dadas novas informações sobre a atividade da zona do terremoto.

Kenichi Ido, o juiz do tribunal distrital na época e que hoje atua como advogado na prática privada, disse que, em geral, foi difícil para a acusação provar que a usina era perigosa. Além disso, devido à complexidade em torno das usinas nucleares, os juízes efetivamente tendem a ficar do lado da estratégia nacional de promoção da energia nuclear, disse.

“Eu acho que não se pode negar que uma psicologia favorecendo o caminho mais seguro entra em jogo”, afirmou Ido. “Os juízes geralmente recebem menos críticas por ficar do lado do governo do que por favorecer simpatizantes e um pequeno grupo de especialistas”.

Isso parece ter acontecido quando um tribunal superior reverteu a decisão em 2009 e permitiu que a Hokuriku Electric mantivesse as operações do reator. Nessa decisão, o tribunal decidiu que a usina era segura, porque cumpria novos padrões para as usinas nucleares do Japão, implementados em 2006.

Os críticos dizem que isto expôs a principal fraqueza da indústria de energia nuclear do Japão: a fraca supervisão das operações.

As diretrizes de 2006 haviam sido definidas por uma comissão do governo composta por muitos especialistas com vínculos com as operadoras nucleares. Em vez de definir normas rigorosas para toda a indústria, as orientações permitiram que as operadoras se responsabilizassem por verificar se suas instalações cumprem as novas normas.

Em 2008, a Agência Nuclear e de Segurança Industrial, principal regulador nuclear do Japão, disse que todos os reatores do país cumpriam as novas normas de proteção contra terremotos e não pediram qualquer atualização.

OPERADORAS OCULTAM PERIGOS

Outros processos revelam como as operadoras têm lidado com a descoberta de falhas ativas subestimando sua importância ou escondendo-as completamente, mesmo conforme os reguladores nucleares permanecem passivos.

Durante 12 anos, Yasue Ashihara liderou um grupo de residentes locais em uma longa e solitária batalha judicial para suspender as operações da usina nuclear de Shimane, que fica a menos de oito quilômetros de Matsue, uma cidade de 200 mil habitantes no oeste do Japão.

A luta de Ashihara contra a operadora da usina, a Chugoku Electric Power, gira em torno não apenas da descoberta de uma falha geológica até então desconhecida na região, mas uma disputa sem precedentes entre seu grupo e a empresa sobre o comprimento da falha e, assim, a força dos terremotos que seria capaz de produzir.

A empresa tem lentamente aceitado a alegação do grupo de Ashihara aumentando consecutivamente a sua estimativa do tamanho da falha. No entanto, um tribunal distrital decidiu em favor da Chugoku Electric Power no ano passado, aceitando o argumento da empresa de que suas estimativas são baseadas em análise mais científica.

“Nós brincamos dizendo que é a falha geológica crescente”, disse Ashihara, 58 anos, que trabalha como enfermeira de idosos. “Mas o que realmente significa é que a Chugoku Electric não sabe o quão forte pode ser um terremoto que atinja a região”.

Seu grupo entrou com a ação judicial em 1999, um ano depois da operadora anunciar repentinamente que tinha detectado uma falha de cinco quilômetros de extensão junto à fábrica, revertendo décadas de revindicações de que a região próxima da usina estava livre de falhas.

A Chugoku Electric alegou que a falha geológica é “pequena demais” para produzir um terremoto forte o suficiente para ameaçar a usina, mas a ação judicial movida por Ashihara, citando novas pesquisas, mostra que a falha pode ser muito mais longa do que o imaginado e produzir um terremoto muito forte. A ação ganhou um novo impulso em 2006, quando um sismólogo anunciou que um teste mostrou que a falha pode ter pelo menos 20 quilômetros de comprimento e ser capaz de causar um terremoto de magnitude 7,1.

Após resistir inicialmente, a empresa reverteu sua posição há três anos para aceitar a conclusão. Mas um porta-voz da Chugoku Electric disse que a usina é forte o suficiente para resistir a um terremoto desse tamanho sem ter que passar por qualquer adaptação.

“Essa usina fica sobre rocha sólida”, disse Hiroyuki Fukada, diretor-assistente do centro de visitantes da usina de Shimane, acrescentando que ela tem cerca de sete metros de fundação de cimento armado. “É segura o suficiente para aguentar um terremoto de magnitude 7,1”.

No entanto, os pesquisadores agora dizem que a falha pode chegar a 29 quilômetros, avançando mar adentro, o que seria suficiente para produzir um terremoto de magnitude 7,4. Isso levou grupo de Ashihara a recorrer da decisão do ano passado.

Ashihara disse que tem travado sua luta longa pois acredita que a empresa está subestimando o perigo que representa para a sua cidade. Mas ela diz que tem, por vezes, se sentido marginalizada desta comunidade estreitamente ligada, com familiares a criticando por chamar atenção para si mesma.

Ainda assim, ela disse que esperava que o desligamento de Hamaoka ajude a impulsionar o seu caso. Ela disse que os moradores locais estão cada vez mais descrentes da segurança da usina de Shimane, principalmente depois de revelações feitas no ano passado de que a operadora falsificou os registros de inspeção, o que forçou o desligamento de um dos três reatores da usina.

No caso de Ashihara, a operadora nuclear reconheceu a existência da falha geológica em tribunal. No caso da usina Kashiwazaki-Kariwa de Niigata, a cidade de frente para o Mar do Japão, a Tokyo Electric Power Co., ou Tepco, empresa que também opera a usina de Fukushima Daiichi, não revelou a existência de uma falha geológica ativa até que foi forçada a fazê-lo por um terremoto.

Em 1979, os moradores processaram o governo para tentar reverter a decisão que concedia à Tepco uma licença para construir a usina no local. Eles argumentaram que os reguladores nucleares não tinham realizado inspeções adequadas na geologia da área – uma acusação que o governo reconheceu anos mais tarde – e que diversas falhas nas proximidades tornavam a usina perigosa. Em 2005, o Supremo Tribunal de Tóquio decidiu contra os moradores, concluindo que tais falhas não existiam.

Mas em 2007, depois que um terremoto de magnitude 6,8 na escala Richter danificou a usina, causando incêndio e vazamentos de radiação, a Tepco admitiu que, em 2003, havia determinado a existência de uma falha de cerca de 20 quilômetros de extensão ativa nas proximidades.

NOVOS RISCOS

A decisão de suspender imediatamente Hamaoka tem gerado dúvidas sobre a continuidade das operações das outras usinas. O governo baseou seu pedido na previsão de que há uma chance de quase 90% de que um terremoto de magnitude 8,0 atinja essa área nos próximos 30 anos. Mas os críticos dizem que essas previsões podem subestimar a situação, apontando para o caso de Fukushima Daiichi, onde o risco de um terremoto semelhante era considerado quase nulo.

“Isso é ridículo”, disse Hiroaki Koide, professor-assistente no Instituto de Pesquisa em Reator da Universidade de Kyoto. ” Fukushima nos mostra como desastres imprevistos acontecem. Há muitas coisas a respeito dos terremotos que nós não entendemos”.

Até o dia 11 de março, Koide havia sido relegado como alguém cujas ideias eram consideradas fora de sintonia com a opinião geral. Hoje, ele se tornou uma voz de consciência aceita em um país que está reexaminando seu programa nuclear.

Para os japoneses comuns que travam batalhas solitárias contra o estabelecimento nuclear há décadas – na maioria homens grisalhos como Nagano e Shiratori – a suspensão da usina de Hamaoka também representa mais espaço.

Os dois temem, no entanto, que o governo permita que Hamaoka reabra uma vez que a Chubu Electric reforce suas defesas contra tsunamis. A Chubu Electric anunciou que irá erguer um paredão de 49 metros de altura em frente à fábrica, que é protegida apenas por uma duna de areia.

“Construir um dique frágil não é suficiente”, disse Shiratori. “Temos de continuar a processar a Chubu Electric judicialmente até que feche a usina”.

“Isso é certo”, disse Nagano, diante da enorme usina. “Esse é apenas o começo”.

* Por Norimitsu Onishi e Fackler Martin, em texto traduzido no Último Segundo

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