Momentos ‘aaah’ da vida – crônica de Luis Fernando Verissimo
PRAZERES PASSAGEIROS
Do blog BananaPost
Você está na rua e suas costas começam a coçar. O que fazer? Você pensa: preciso de alguma coisa do tamanho certo para chegar na coceira. Um cassetete! Claro. Pedir um emprestado a um policial. Claro que o agente da lei pode entender mal seu pedido e baixar o dito cujo nas suas costas. Mas já ajuda…
MOMENTOS ‘AAAH’
Por Luis Fernando Verissimo *
Temos momentos de êxtase, de arrebatamento, de profunda satisfação pessoal, mas também temos pequenos prazeres passageiros, os chamados “momentos aaah” da vida.
Exemplo: você está com uma sede de perdido no deserto. É um Lawrence da Arábia sem o cantil. Sua boca é uma caverna poeirenta. Sua língua é uma bola de aniagem, percorrida por lagartixas secas e ressentidas.
Nada abaterá sua sede, salvo uma… E lá vem ela. Uma Coca-Cola com gelo num copo longo (rodela de limão opcional) que você toma em dois goles, e depois do primeiro gole invariavelmente faz “aaah!”
Você chega de viagem cansado, resignado a tudo que passou e certamente passará antes de poder sair do aeroporto e, de repente, vê (“aaah”) que a primeira mala a aparecer na esteira é a sua.
Coceira nas costas. Ninguém por perto íntimo o bastante para você pedir “Me coça atrás?”.
Esfregar as costas numa quina pareceria estranho. Rolar no chão, mais ainda. Você tenta usar sua caneta para coçar atrás mas a caneta é curta, não alcança o ponto.
A coceira aumenta. O que fazer? Você pensa: preciso de alguma coisa do tamanho certo para chegar na coceira. Um galho de árvore. Melhor ainda: uma régua.
Um cassetete! Claro. Pedir o cassetete emprestado de um policial. Ele é um servidor público. Não precisa ser um conhecido, estará prestando um serviço público, ajudando um cidadão a se coçar.
Você pede o cassetete emprestado. É do tamanho exato. Aaaaaaaah. .. Claro que o policial pode entender mal seu pedido e baixar o cassetete nas suas costas. O que também ajuda.
Você vai ao cinema. A poltrona é confortável. Você olha em volta e vê que não tem ninguém sentado perto de você. Ninguém para conversar durante o filme ou fazer barulho comendo pipoca ou desembrulhando doce.
A sessão começa. A projeção é perfeita. Você se acomoda na poltrona e faz um merecido “aaah”.
Chuveiro na temperatura certa, outro momento “aaah” (em contraste com chuveiro inesperadamente frio, um momento “ui!”).
Um pôr do sol especialmente criativo.
Neta que passa o dia se recusando a lhe dar um beijo, alegando falta de tempo, mas depois vem correndo e se atira na sua barriga.
Ambrosia diet, a maior invenção do homem depois da escada rolante.
Ir para a cama de noite, pensar no que tem para fazer no dia seguinte e se dar conta que o dia seguinte é domingo e não há nada para fazer. Aaaah…
Enfim: são os momentos “aaah” que compensam os outros, são os pequenos prazeres que nos reconciliam com a vida.
E isto que eu nem falei em sesta de sofá, diferente de sesta de cama e muito diferente de sesta de pijama, que é a sua versão oficial.
Aaah, um bom sofá…
No Estadão
preciso de duas crônicas uma sobre algo insinuante , mas é apenas uma coceira nas costas outra é sobre um pai explicando como tratar uma mulher …