Origem e o que significa a máscara de Guy Fawkes dos Anonymous
LIBERDADE VERSUS MEDO
Os veículos da velha mídia conservadora e senil, lenta de raciocínio como ela só, ainda não pegaram o ‘espírito da coisa’. Ainda assim se esforçam, embora em vão, para tentar entender como antigos e consagrados ícones visuais ganham força para se transformar — de uma hora para outra e de maneira espontânea — em símbolos de identidade dos atuais movimentos libertários de massas.
MANIFESTANTES ADOTAM MÁSCARA DE GUY FAWKES
A máscara sinistra usada por uma personagem de quadrinhos inspirada no revolucionário inglês Guy Fawkes e popularizada pelo filme V de Vingança tornou-se um símbolo dos protestos contra a ganância corporativa [dos bancos e seus fantoches políticos] realizados em todo o mundo.
De Nova York a Londres, passando por Sydney, Colônia e Budapeste, as manifestações têm em comum, além da temática, o estranho adereço, que inclui um bigode e uma barba pontuda.
Guy Fawkes e outros revolucionários católicos foram condenados à morte após uma tentativa fracassada de explodir as Casas do Parlamento e tomar o poder na Inglaterra, no século 17.
O aniversário do golpe fracassado, no dia 5 de novembro de 1605, é comemorado na Inglaterra com festas e fogueiras.
ÍDOLO ANARQUISTA
Quatro séculos mais tarde, o autor de quadrinhos Alan Moore se inspirou na história do revolucionário Guy Fawkes para criar o personagem V.
Trata-se de um enigmático anarquista que, tendo Fawkes como ídolo, luta para derrubar do poder um partido fascista fictício que assumiu o controle da Grã-Bretanha.
No começo do livro, V leva a cabo o plano original de Fawkes e explode as Casas do Parlamento.
O desenhista David Lloyd, responsável pelas ilustrações, criou a imagem original da máscara, popularizada em 2006 pelo filme V de Vingança, da produtora de cinema Warner.
Distribuídas como brinde no lançamento do filme, as máscaras tinham sido usadas, em 2008, pelo grupo de hackers militantes Anonymous durante um protesto contra a Igreja da Cientologia.
WIKILEAKS
Desde então, foram incorporadas pelos manifestantes em protestos anticapitalistas.
O fundador do site de denúncias WikiLeaks, Julian Assange, chegou ao protesto Occupy London Stock Exchange (em tradução livre, Ocupemos a Bolsa de Londres), há duas semanas, usando uma das máscaras.
Assange, que foi à manifestação para fazer um discurso, tirou a máscara antes de falar – segundo relatos, a pedido da polícia.
O desenhista Lloyd vê uma relação entre sua máscara e a famosa foto do revolucionário argentino Che Guevara feita pelo fotógrafo Alberto Korda.
MGM FATURA
Para ele, tanto a foto como a máscara viraram moda, um símbolo entre jovens de todo o mundo.
“A máscara de Guy Fawkes tornou-se uma marca, um cartaz conveniente para ser usado em protestos contra a tirania”, disse Lloyd.
“Fico feliz com seu uso pelas pessoas, parece uma coisa única, um símbolo da cultura popular sendo usado dessa forma”.
ANONIMIDADE COLETIVA
Curioso, o desenhista visitou a manifestação Occupy Wall Street (Ocupemos Wall Street) em Nova York para ver as pessoas usando sua máscara.
Lloyd explicou que quando ele e o escritor Moore criaram o personagem V, imaginavam uma guerrilha urbana lutando contra uma ditadura fascista mas queriam adicionar um pouco de teatralidade à história.
“Sabíamos que V seria um homem que havia escapado de um campo de concentração onde tinha sido submetido a experimentos médicos”, disse.
“Mas tive a ideia de que, em sua loucura, ele decidia adotar a personalidade e a missão de Guy Fawkes – nosso grande revolucionário histórico”.
OS MASCARADOS
O filme baseado no livro leva a ideia da guerrilha urbana mais adiante, e termina com a imagem de uma multidão de londrinos vestindo a máscara de Guy Fawkes, sem armas, marchando em direção ao Parlamento.
Esta imagem de identificação coletiva e de anonimidade simultânea estaria exercendo um apelo sobre grupos como o Anonymous, entre outros.
As máscaras, manufaturadas pelos estúdios Warner para promover o filme, são vendidas hoje para todo tipo de gente, de militantes a pessoas em busca de algo para vestir em uma festa a fantasia.
Um fenômeno interessante é que o adereço está sendo vendido em países onde o personagem histórico Guy Fawkes não é conhecido.
HE-MAN E GUERRA NAS ESTRELAS
O blogueiro Paul Staines, que escreve sob o pseudônimo de Guido Fawkes, disse achar irônico que militantes anticapitalismo e anticorporativismo usem um adereço identificado com a gigante do cinema Warner Bros – que está entre as cem maiores companhias americanas, com lucros, no ano passado, de mais de US$ 2,5 bilhões.
Talvez não tenha entendido ainda que se trata de um remix, uma releitura, apropriação de um símbolo com identificação universal.
Uma integrante do grupo Anonymous que protestava acampada à sombra da catedral St Paul, em Londres, disse que ela e outros militantes estavam usando a máscara não apenas para proteger sua identidade.
“É uma coisa visual, que nos separa dos hippies e dos socialistas e nos dá identidade própria. Queremos ultrapassar o governo e começar do zero”.
OS BORRA-BOTAS
Mas sempre tem a turma do contra, conservadora, e que, como é da natureza de seu caráter (ou falta de), se borra nas calças: o especialista em quadrinhos Rich Johnston, por exemplo, acha que a máscara tem “conotações violentas”.
“Não é um símbolo de resistência passiva, mas de terrorismo ativo. Ela está associada com a ideia de se derrubar um governo e um país. Isso pode ser muito assustador e alienante para algumas pessoas”, disse, em tom de autocrítica.
Por outro lado, a ideia da máscara V sendo apropriada como um símbolo político lhe parece ingênua.
“É como achar que você pode derrubar um governo usando um sabre iluminado (alusão à série de filmes Guerra nas Estrelas) ou a espada do He-Man“.
Será?
Com o Correio do Brasil
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