Os grupos religiosos que precisam viver em estado de guerra
TEOLOGIA DO MEDO E INIMIGOS DE OCASIÃO
Exércitos precisam de inimigos.
A teologia de um Deus guerreiro e belicoso sempre esteve presente na formação fundamentalista dos evangélicos brasileiros, compondo o seu imaginário e criando a necessidade da identificação de inimigos a serem combatidos.
Historicamente a Igreja Católica Romana sempre foi identificada como tal e sempre foi combatida no campo simbólico mas também no físico-geográfico.
Da mesma forma, as religiões afro-brasileiras também ocupam este lugar, especialmente, no imaginário dos grupos pentecostais.
Periodicamente, estes “inimigos” restritos ao campo religioso perdem força quando, ou se renovam, como é o caso da Igreja Católica, a partir dos anos de 1960, ou quando aparecem outros que trazem ameaças mais amplas.
Assim foram interpretados os comunistas no período da Guerra Fria no mundo e da ditadura militar.
Há também um imperativo imaginário de se atualizar os combates, quando a insistência em determinados grupos leva a um desgaste da guerra.
Durante o processo de redemocratização brasileira nos anos 80, o avanço do Partido dos Trabalhadores era interpretado como nítido representante do perigo comunista.
O espaço que vinha sendo conquistado foi reconhecido como ameaça e campanhas evangélicas contra o PT reverberaram, de forma religiosa, o que se expunha nas trincheiras da política.
Nos anos 90 houve o enfraquecimento do ideal comunista e o PT chegou ao poder nacional na década seguinte com o apoio dos próprios evangélicos.
Simultaneamente, a força das construções ideológicas estadunidenses abriu lugar à “ameaça islâmica” e houve algum espaço entre evangélicos no Brasil para discursos de combate ao Islã.
No entanto, como esta ameaça está bem distante da realidade brasileira – não se configura um inimigo tão perigoso nestas terras –, emerge mais uma vez o imperativo de se atualizar os combates.
Não mais catolicismo, nem comunismo, não tanto islamismo… quem se configuraria como novo inimigo?
Desta vez, um inimigo contra a religião e seus princípios, contra a Bíblia, contra Deus, contra o Brasil e as famílias: o homossexualismo.
É neste contexto que deve ser compreendido o trânsito dos pastores Feliciano e Malafaia em canais de televisão, com várias aparições no programa de maior audiência da Rede Globo, o Jornal Nacional.
São estas transformações na relação mídia e religião, com efeitos políticos, que merecem ser monitoradas e esclarecidas.
Tendo em vista a complexidade das relações sociais, em especial no que diz respeito à religião, e os interesses particulares dos grandes conglomerados conservadores, serão potencializadas no ano eleitoral que se aproxima.
– – –
Por Magali do Nascimento Cunha — jornalista, doutora em Ciências da Comunicação, professora da Universidade Metodista de São Paulo e autora do livro A Explosão Gospel.
Completo no blog do teólogo Leonardo Boff