Carnaval de Salvador não é mais a festa da igualdade popular

Preto por fora e branco no meio

PRETO POR FORA E BRANCO NO MEIO

A Cachaça da Happy Hour

Já dissemos aqui que o modelo neoliberal, que se propõe a privatizar todo o carnaval na Bahia, cria um apartheid que exclui o próprio espaço público, ruas, praças e praias do povo. A ponta mais visível do processo de exclusão é o circuito Barra-Ondina, tomado pelos camarotes e trios elétricos com cordões de isolamento. Não é por outro motivo que, nas redes sociais, o carnaval de Salvador é comparado agora ao biscoito de chocolate colado com recheio.

CORDAS E CAMAROTES: CINTURÕES DA EXCLUSÃO

por Messias Bandeira *

A recente declaração de Bell Marques (Chiclete com Banana), justificando a manutenção das cordas no carnaval de Salvador, é o sintoma mais aparente do preconceito de classe que subsiste na Bahia.

A novidade é que, ao expressar publicamente sua índole, Bell aperta, até o último buraco, o cinturão da exclusão na maior festa popular do mundo.

Poderíamos dizer que se trata de uma fala isolada, um deslize. Não é o caso.

O carnaval dá relevo a uma situação sistêmica da desigualdade em Salvador. Bell Marques e sua turma acentuam a discriminação, empurrando as cordas e o preconceito contra aqueles que, ironicamente, deram-lhes palco, prestígio e riqueza.

O silêncio de outras estrelas da axé music diante de tal declaração é um aval ao apartheid pretendido por muitos blocos, camarotes e suas correias de transmissão instaladas nos órgãos e secretarias da (des)governança da cidade de Salvador.

Eles não podem continuar dando as cartas. E o município não pode amesquinhar-se ante aqueles que operam no submundo do esquema marqueteiro.

Da aviltante “popcorn experience” — acredite: um cercado que permite aos ilustres pagantes dos camarotes a vivência do carnaval no asfalto “sem se misturar” — ao sequestro dos espaços públicos por alguns camarotes, tudo parece nos expulsar do carnaval.

Não carrego ilusões. O carnaval baiano não é a festa da igualdade.

No limite, ele subtrai o distanciamento físico de estratos sociais, falseando uma equidade que, na realidade, se apresenta apenas de forma simbólica durante 6 dias. Ou seja: entre “chupar um geladinho na corda” e apreciar um drink no espaço gourmet do camarote, há um imenso abismo.

Inclusão social? Capitalismo de estado? Qual? Aquele que oferece 9.837 m2 ao Camarote Salvador e 0,6 m2 ao isopor de cerveja?

É bem verdade que o carnaval não será o locus da superação de disparidades sociais históricas. Trata-se de uma festa. Mas é exatamente por isso que o vetor mercadológico deveria estar submetido ao core cultural da festa. E não o contrário.

O carnaval também é um campo de disputa política. Cordas e camarotes até podem ser justificáveis em algumas situações. No entanto, usá-los como forma de opressão é inaceitável.

Bem, eu poderia fugir do carnaval e virar as costas pra tudo isso. Mas estarei ali, ocupando o espaço público, na companhia de cidadãos que querem celebrar o carnaval, que exigem respeito e dignidade.

E não apenas porque pago os meus impostos – o que me reduziria a um simples consumidor de serviços públicos. Mas, sobretudo, porque vivo nesta cidade.

Minha fórmula? Abaixem as cordas e desçam do camarote. Venham viver não a “popcorn experience”, mas a “human experience”.

Depois de 35 anos pulando atrás do trio de Dodô e Osmar, eu garanto: além de uma atitude cidadã, é muito mais divertido!

* Messias G. Bandeira é músico e professor da UFBA – Universidade Federal da Bahia

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