Mídia hipócrita e corrupta censura livro A Privataria Tucana

Merval Pereira - ABL Academia Brasileira de Letras

LIBERDADE DE EXPRESSÃO TUCANA

O Chefe de Redação

Sob a bandeira da “defesa da liberdade de expressão” os barões da velha mídia denunciam os perigos que enfrentam, sendo o principal deles “a volta da censura”. Pois a censura voltou a imperar escandalosamente. Só que, desta vez, não promovida por órgãos do Estado, mas pelas próprias empresas jornalísticas. Os antigos donos do poder midiático decidiram apagar do mapa, não uma reportagem ou uma foto, mas um livro. A reflexão é de Ricardo Kotscho *.

O ANO EM QUE UM LIVRO DESMASCAROU A IMPRENSA

“Se a Gazeta Esportiva não deu, ninguém sabe o que aconteceu” — slogan de um antigo jornal de São Paulo, nos tempos pré-internet, que ainda inspira muitos jornalistas brasileiros.

Daqui a 100 anos, quando os historiadores do futuro contarem a história da velha mídia brasileira, certamente vão reservar um capítulo especial para o que aconteceu em 2011.

Foi o ano em que um livro desmascarou o que ainda restava de importância e influência da chamada grande imprensa na formação da opinião pública brasileira.

O suicídio coletivo foi provocado pelo lançamento de um livro polêmico, A Privataria Tucana, do premiado repórter Amaury Ribeiro Júnior, com denúncias sobre o destino dado a bilhões de reais na época do processo de privatização promovido nos anos FHC.

Como envolve personagens do alto tucanato em nebulosas viagens de dinheiro pelo mundo, o livro foi primeiro ignorado pelos principais veículos do país, com exceção da revista “Carta Capital” e dos telejornais da Rede Record; nos dias seguintes, os poucos que se atreveram a tocar no assunto se limitaram a detonar o livro e o seu autor.

Sem entrar no mérito da obra, o fato é que, em poucos dias, A Privataria Tucana alcançou o topo dos livros mais vendidos do país e invadiu as redes sociais, tornando-se tema dominante nas rodas de conversa do Brasil que tem acesso à internet.

No final de semana, o fenômeno editorial apareceu nas listas de jornais e revistas, mas não mereceu qualquer resenha ou reportagem sobre o seu conteúdo.

Em 47 anos de trabalho nas principais redações da imprensa brasileira, com exceção da revista “Veja”, nunca tinha visto nada igual, nem mesmo na época da ditadura militar, quando a gente não era proibido de escrever — apenas, os censores não deixavam publicar.

Foi como se todos houvessem combinado que o livro simplesmente não existiria. Esqueceram-se que há alguns anos o mundo foi revolucionado por um negócio chamado Internet, em que todos nos transformamos em emissores e receptores de informações, tornando-se impossível esconder qualquer notícia.

O que mais me espantou foi o silêncio dos principais colunistas e blogueiros do país — falo dos profissionais considerados sérios –, muitos deles meus amigos e mestres no ofício, que sempre preservaram sua independência, mesmo quando discordavam da posição editorial da empresa onde estão trabalhando.

Nenhum deles ousou escrever, nem bem nem mal, sobre A Privataria Tucana, com a honrosa exceção de José Simão, o mais sério de todos eles.

Alguns ainda tentaram dar alguma desculpa esfarrapada, como falta de tempo para ler e investigar os documentos publicados no livro, mas a grande maioria simplesmente saiu por aí assobiando e mudando de assunto.

O que aconteceu? Faz algum tempo, as entidades representativas da velha mídia criaram o Instituto Millenium, uma organização voltada à defesa dos seus interesses e negócios.

Sob a bandeira da “defesa da liberdade de expressão”, segundo eles sempre ameaçada por malfeitores do PT e de setores do governo federal, os barões da mídia promoveram vários saraus para denunciar os perigos que enfrentavam. O principal deles, claro, era “a volta da censura”.

Pois a censura voltou a imperar escandalosamente na semana passada. Só que, desta vez, não promovida por órgãos do Estado, mas pelas próprias empresas jornalísticas abrigadas no Instituto Millenium. Os antigos donos do poder midiático decidiram apagar do mapa, não uma reportagem ou uma foto, mas um livro.

O episódio certamente será um divisor de águas no relacionamento entre a grande imprensa e seus clientes.

Por mais que cada vez menos gente acreditasse nessa conversa, seus porta-vozes sempre insistiam em nos garantir que a mídia grande era independente, apartidária, isenta, preocupada apenas em contar o que está acontecendo e denunciar os malfeitos do governo, em defesa do interesse nacional e da felicidade de todos.

Agora, caiu definitivamente a máscara. Neste final de semana, ouvi de várias pessoas, em diferentes ambientes, que vão cancelar assinaturas de publicações em que não confiam mais.

Como jornalista ainda apaixonado pela profissão, fico triste com tudo isso, mas não posso brigar com os fatos. Foi vergonhoso ver o que aconteceu e não deu para esconder. Graças à internet, todo mundo ficou sabendo.

E agora? O que vão dizer aos seus ouvintes, leitores e telespectadores? Que tudo não passou de um engano, uma ilusão de ótica? Vão publicar um “erramos” coletivo ou vai ficar tudo por isso mesmo?

* No Balaio do Kotscho

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