O Dia de Guy Fawkes – um exemplo de coragem, lealdade e justiça
A CARA DE ‘V’ DE VINGANÇA
No livro ‘História da Inglaterra para Crianças’, Dickens o define, admirado, como um “homem de ferro”. No recente filme ‘V de Vingança’ ele aparece como um justiceiro libertário. Sua máscara é também usada pelos hackers do grupo Anonymous, com o lema: “Nós não esquecemos, nós não perdoamos”.
GUY FAWKES: DE VILÃO A SÍMBOLO DA LIBERDADE
Por Paulo Nogueira *
Segunda-feira foi o dia de Guy Fawkes, uma das figuras mais extraordinárias da história da Inglaterra.
Quer dizer, é o dia da Conspiração da Pólvora.
Mas Guy Fawkes – fala-se Gui porque Guy vem de Guido — acabou se tornando o símbolo máximo da subversão, mesmo não sendo o líder.
O que os conspiradores queriam não era pouca coisa: simplesmente explodir o novo Parlamento britânico.
Quando? No momento em que o Rei Jaime I abriria, formalmente, os trabalhos, em 5 de novembro de 1605.
Na essência do complô, estava a raiva e a frustração que Jaime despertara entre os católicos ingleses. Ele sucedera Elizabete, filha de Henrique VIII.
Elizabete, feia e indesejada, morreu virgem e sem sucessores, e com ela chegou ao fim a dinastia Tudor.
E ela perseguira cruelmente os católicos, como seu pai.
Imaginava-se que Jaime, escocês da família Stuart que ascendera por conta de laços familiares com um ramo dos Tudor, facilitaria a vida dos católicos.
Não facilitou.
Os católicos logo o detestaram – não só por manter a perseguição como porque ele era escocês. Aí começou uma trama para matá-lo – e a todos os parlamentares.
Os conspiradores compraram uma casa ao lado do Parlamento, em Westminster, e foram, aos poucos, enchendo de pólvora.
Fawkes, alto, forte, bonito, um guerreiro provado em várias guerras nas quais atuou como mercenário, tomava conta da casa.
Ele estava preparado para explodir a si próprio, com a casa, caso fosse descoberto.
Não conseguiu.
Um dos integrantes do grupo, na tentativa de salvar um amigo, mandou a ele um recado cifrado e anônimo. Para que não fosse à abertura do Parlamento, no dia 5 de novembro.
O destinatário estranhou. A carta chegou a Jaime, e o plano foi descoberto.
Fawkes foi impedido, na ação de surpresa da polícia, de explodir a casa para evitar que os conspiradores fossem descobertos, presos e punidos.
Ele foi levado à presença de Jaime, e nasceram aí frases memoráveis.
O rei perguntou por que o objetivo era matar tanta gente – a família real, todos os parlamentares etc?
“Tempos desesperadores exigem medidas desesperadas”, respondeu Fawkes.
O rei insistiu na pergunta. Para que tanta pólvora?
“Era a maneira mais rápida de mandar todos os escoceses de volta à Escócia”, disse Fawkes.
A coragem de Fawkes assombrou. Foi condenado à morte por enforcamento e esquartejamento.
Submetido a uma sessão infernal de torturas, não revelou nada que já não fosse conhecido.
Em sua História da Inglaterra para Crianças, Charles Dickens o define, admirado, como um “homem de ferro”.
De Jaime, o escritor diz que era o mais feio, o mais ridículo e o mais inepto dos mortais.
O dia 5 de novembro passou a ser comemorado na Inglaterra com uma queima de fogos.
Aos poucos, a imagem de Fawkes de vilão foi se transformando na de um justiceiro, de um guerreiro heroico e libertário.
No excelente filme V de Vingança é assim que ele aparece, reencarnado num homem que usa sua máscara célebre.
Para punir um Estado totalitário, faz o que Fawkes não conseguiu: explode o Parlamento.
A máscara de Fawkes aparece, hoje, em manifestações de protesto mundo afora.
É também utilizada pelos hackers do grupo Anonymous, junto com um lema que arrepia: “Nós não esquecemos, nós não perdoamos”.
A história em geral é escrita pelos vencedores. Fawkes perdeu, e por isso foi inicialmente tratado como um traidor vil e inclemente.
Mas, num caso raro, a posteridade transformou o perdedor esquartejado e anatematizado num exemplo de coragem, bravura e justiça.
Numa personagem que inspira lutas contra os Jaimes que se espalham pelo mundo em todas as épocas.
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* Paulo Nogueira é jornalista e no momento vive em Londres.