Que gosto pode ter um whisky “envelhecido” por um século?
O SABOR IMPREVISÍVEL
Um carregamento congelado do uísque MacKinley’s do início do século XX encontrado na Antártida, no ano passado, foi recebido com festa pelos entusiastas da bebida. Ainda assim, o gosto do “tesouro”, dizem especialistas, é imprevisível.
Na melhor das hipóteses, as garrafas, levadas agora à Escócia para uma análise (científica, com equipamentos de laboratório, não com copos) estarão tragáveis.
Na pior delas, terão um gosto horrível de fazer qualquer escocês corajoso se arrepender.
Isso porque ele já passou do seu auge há muito tempo, dizem especialistas.
Embora essas bebidas, mesmo que com gosto desagradável, dificilmente fizessem mal à saúde de alguém, a maioria das pessoas está mais interessada em estudar a sua composição química do que em tomar uma dose.
Não é o que acontece com os vinhos.
Também no ano passado, foram encontradas 30 garrafas de champanhe com cerca de 200 anos em um navio naufragado no mar Báltico.
O carregamento nem havia sido retirado, e os preços já estavam especulados: algo em torno de R$ 110 mil.
Vinhos mais jovens, embora ainda centenários, são oferecidos em alguns restaurantes e vinícolas da França e de outros países da Europa. Os preços podem ultrapassar os R$ 10 mil pela garrafa.
Mas essas bebidas, vale lembrar, ficaram armazenadas adequadamente (não foram “achadas”).
DECORAÇÃO E STATUS
Segundo Alberto Miele, especialista em vinhos da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) de Bento Gonçalves (RS), as pessoas pagam tudo isso por uma garrafa mais pela “aventura” (ou para decorar a casa com um garrafa antiga) do que pelo sabor.
“A vida do vinho é uma curva: nasce, atinge o máximo e depois começa a cair. Vários estragam completamente, ficam avinagrados, oxidados, outros não. Dependendo do vinho, pode levar até 30 anos, mas, com o tempo, o ponto alto dele se vai”, explica o pesquisador.
Marite Carlin Dal’Osto, enóloga e pesquisadora do Núcleo de Pesquisa de Uva e Vinho da Epamig (Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais), concorda.
“Com cem anos, acredito que não exista nada de qualidade para se beber. Entre 20 e 50 anos ainda se encontra vinhos bons para o consumo”.
Para os especialistas, porém, a probabilidade de que o sabor esteja conservado é maior quando as bebidas são encontradas congeladas. “A temperatura evita que todas aquelas reações bioquímicas aconteçam. Mas é difícil saber”, diz Miele.
No caso das cervejas, que assim como o vinho também são feitas por fermentação, também não é fácil prever o estado da bebida.
Para Maurício Beltramelli, mestre em estilos de cerveja formado pelo Siebel Institute de Chicago (EUA), o sabor das “louras” centenárias são uma verdadeira loteria.
“Há mais de uma centena de tipos de cerveja, mas pouquíssimos delas podem se beneficiar com longas passagens de tempo”, explica.
Condições de armazenamento também influenciam: mudanças de temperatura e exposição à luz detonam o sabor de qualquer cerveja. Inclusive as de hoje em dia.
* Via FSP