Um dia perfeito no cotidiano do PIB – o Perfeito Idiota Brasileiro

Manipulação do PiG - Partido imprensa Golpista

PIBs – VOCÊ CONHECE MUITOS

O Chefe de Redação

O ‘Manual do Perfeito Idiota Latino-Americano’ é um livro dos anos 1990 sobre política escrito por Plinio Apuleyo Mendonza (colombiano), Carlos Alberto Montaner (cubano) e Alberto Vargas Llosa (peruano).

O original, de matiz conservador, é aqui brilhantemente desconstruído por Paulo Nogueira numa versão remixada, atualizada e abrasileirada do atual PIB – Perfeito Idiota Brasileiro. Vale a pena ler:

UM DIA NA VIDA DO PIB

PIB. Chamemos de PIB. O Perfeito Idiota Brasileiro.

Vamos descrever o dia do PIB. Vinte e quatro horas na vida de um PIB para que os pósteros, a posteridade, tenham uma ideia do Brasil de 2012.

Ele acorda às sete horas. Tem que preparar o próprio café da manhã. Já faz alguns anos que sua mulher parou de fazer isso para ele, e ficou caro demais para ele pagar uma empregada doméstica.

Ele lamenta isso. Era bom quando havia uma multidão de nordestinas sem instrução nenhuma que saíam de suas cidades por falta de perspectiva e iam dar no Sul, onde acabavam virando domésticas.

PIB dá um suspiro de saudade. Chegou a ter uma faxineira e uma cozinheira nos velhos e bons tempos. Num certo momento, PIB percebeu que as coisas começaram a ficar mais difíceis. Havia menos mulheres dispostas a trabalhar como domésticas, e os salários foram ficando absurdos.

Para piorar ainda mais as coisas, ao contrário do que sempre acontecera, a última empregada de PIB recusou votar no candidato que ele indicou.

Mulherzinha metida.

Foi por coisas assim que PIB aderiu ao movimento Cansei, ao lado de ativistas notáveis como Boris Casoy, Hebe Camargo, Agnaldo Rayol e João Dória Júnior.

Empolgante o Cansei. PIB quase fora a uma manifestação. Só desistiu porque era sábado e sábado a feijoada era sagrada. O protesto com certeza fora um sucesso.

O povo unido jamais será vencido.

PIB tomou o café na cozinha, com o Globo nas mãos. Assinava o jornal fazia muitos anos. Se todos os brasileiros fossem como o Doutor Roberto Marinho, PIB pensou, hoje seríamos os Estados Unidos.

Bonito o choro do Bonner ao anunciar no Jornal Nacional a morte de Roberto Marinho.

Por que ainda não ergueram estátuas para ele?

Com o Globo, PIB iniciou sua sessão de leituras matinais. Mais ou menos quarenta minutos, antes de ir para o escritório.

Leu Merval. Quer dizer, leu o primeiro parágrafo e mais o título porque naquele dia o texto, embora magnífico, estava longo demais.

Havia um artigo de Ali Kamel. “Um cabeça”, pensou PIB. “Deve ter o QI do Einstein”.  Mas também aquele artigo – embora brilhante, um tratado perfeito sobre o assistencialismo ou talvez sobre o absurdo das cotas, PIB já não sabia precisar — parecia um pouco mais comprido do que o habitual. Deixou para terminar a leitura à noite.

PIB vibrou porque, se não bastassem Merval e Kamel, havia ainda Jabor.

Um gênio. Largou o cinema para iluminar o Brasil com sua prosa espetacular. Um verdadeiro santo. Podia estar com a sala da casa cheia de Oscar.

Começou a ler Jabor e refletiu. “Impressão minha ou hoje aumentaram o tamanho do Jabor?” PIB sacudiu a cabeça, na solidão da cozinha, num gesto de reverência extrema por Jabor, mas também achou melhor deixar para ler mais tarde.

Era seu dia de sorte. Também o historiador Marco Antônio Villa estava no Globo. “Os primeiros 18 meses do governo Dilma foram fracassos sobre fracassos” era a primeira linha. Bastava. Villa sempre surpreendia com pensamentos que fugiam do lugar comum.

Como uma terrorista chegou ao poder? Bem, tenho que comprar algum livro de história do Villa. Ele com certeza escreveu vários.

Completou a sessão de leituras da manhã na internet. Leu Reinaldo Azevedo. Quer dizer, naquela manhã, leu um parágrafo. Na verdade, metade. Menos. O título.

Não importava. Azevedo era capaz de mesmerizar toda uma nação com a luz cintilante de meia dúzia entre milhares de linhas que produzia incessantemente. PIB deixava escapar um sorriso de admiração a cada vez que li a palavra “petralha” em Azevedo.

Rei é rei. Um cabeça pensante. Por que será que não ocorreu a nenhum presidente da República contratar esse homem como assessor especial? Se o Brasil bobear, a Casa Branca vem e contrata.

Debate é assim. Medalhinha. Chamar um tal de Nassif de Nassífilis. PIB julgava FHC um banana. Não sabia debater. Bananão.

Como FHC podia dizer coisas assim? “Eu não estou aqui para ver o PT se arrebentar. O Brasil precisa de partidos que tenham uma certa história, e o PT tem”. Isso em 2005, quando era o momento de derrubar o lulopetismo.

E essa outra? “Por que o mensalão se tornou conhecido? Porque o Roberto Jefferson teatralizou o mensalão”. E essa então? “O Lula, ao invés de renunciar e desistir, disse: eu vou brigar. O Lula foi decisivo naquele momento, em dissipar o mensalão.”

Ba-na-não! Graças a Deus já passou dos 80 e não pode mais atrapalhar o Brasil. O campo ficou livre para o Serra e o Aécio!

Ainda na internet, uma passagem pelo Blog do Noblat. Naquele dia, no blog havia uma coluna assinada por Demóstenes. PIB deu parabéns mentais a Noblat por abrir espaço a Demóstenes, nosso campeão mundial da moralidade, nosso Catão.

PIB guardara um texto de Demetrio Magnolli, outro cérebro avançado, em que este prestava um justo tributo à nossa reserva moral no senado. Saíra na edição das 100 pessoas mais influentes da revista Época.

Anotou um trecho: “Não é preciso concordar com tudo que ele fala ou faz para homenageá-lo. Demósteneses não é mais um comerciante num mercado em que se trafica influência em troca de cargos ou privilégios. Ele tem princípios e convicções.”

Por que falam tanto do tal do Assange e do Wikileaks quando temos tantos caras muito melhores?

A caminho do trabalho, PIB ligou na CBN. Ouviu uma entrevista com o filósofo Luiz Felipe Pondé. “Meu pequeno carro não contribui para o aquecimento do planeta”, disse Pondé, o nosso Sócrates, o Aristóteles verde-amarelo.

Pondé ganhara imediatamente a admiração de PIB quando reclamara dos pobres que estavam congestionando os aeroportos. A última vez que viajara para Miami ficara revoltado com as pessoas inferiores que iam voar.

Bem, preciso anotar aquela. Meu pequeno carro não contribui para o aquecimento global.

Isso o levou a reparar nos ciclistas nas ruas de São Paulo. Cada dia parecia haver mais. Mau sinal.

Havia muitas bicicletas no trajeto. PIB sentiu vontade de atropelá-las em grupo e fazer um strike. Odiava ciclistas. Atrapalhavam os motoristas.

Tivera vontade de vomitar quando vira a foto de um ciclista inglês de bunda de fora — branca e mole como um pudim — numa marcha nudista por mais espaço e segurança em Londres para as bicicletas.

Abria uma única exceção: Soninha. Desde que ela continuasse a posar pelada em nome das bicicletas.

Hahaha. Hohoho.

Na CBN ouviu também informações e comentários sobre o mundo. “Prestígio em Paris dá vantagem a Sarkozy nas eleições presidenciais”, a CBN avisou.

PIB admirava Sarkozy. Proibir a burca foi um gesto histórico. As muçulmanas deveriam ser gratas a Sarkozy. Elas haveriam de votar maciçamente nele para dar a ele o segundo mandato para o qual a CBN dizia que ele era o favorito.

Os maridos obrigam as coitadas a usar burca.

O tema do islamismo estava ainda em sua mente quando se instalou em seu cubículo de gerente na empresa. PIB refletiu sobre o mundo.

Tinha lido em algum lugar que no Afeganistão as pessoas queriam que os soldados americanos fossem embora. Os afegãos estavam queimando bandeiras dos Estados Unidos.

A mesma coisa estava ocorrendo no Iraque. E no Iêmen. Em todo o Oriente Médio, fora Israel.

Ingratos. Como eles não percebem que os Estados Unidos estão lá para promover a democracia e levar a civilização? Os americanos estão acima de interesses mesquinhos por coisas como o petróleo.

Era um perigo o avanço muçulmano. Não que apoiasse, mas PIB entendia o norueguês que matara 77 pessoas por considerar que o governo de seu país era leniente demais com os muçulmanos.

A raça branca está em perigo.

Entretido em salvar a raça branca, PIB não percebeu o tempo passar. Só notou pela fome que já era hora de comer. A opção, mais uma vez, foi pelo Big Mac do shopping, e mais a Coca dupla.

Detestava os ativistas dos direitos dos animais porque combatiam os Big Macs. PIB estava tecnicamente obeso, mas na semana que vem iniciaria uma dieta e começaria também a se exercitar.

Fim do expediente. A estagiária estava com um decote particularmente ousado. Talvez estivesse sem sutiã. PIB a chamou algumas vezes para discutir assuntos que na verdade não tinham por que ser discutidos. A questão era olhá-la.

Valeu o dia, refletiu. Home office é uma bobagem porque não permite esse tipo de coisa: olhar para meninas gostosas no escritório.

Na volta, mais uma vez foi tomado pela tentação de atropelar os ciclistas. “Quando você deseja muito uma coisa, todo o universo conspira a seu favor”. PIB se lembrou da frase de seu escritor favorito, Paulo Coelho. Então ele desejou muito que as bicicletas sumissem.

Xiitas.

Algum colunista escrevera isso sobre os ciclistas. PIB não lembrava quem era, mas concordava inteiramente. Os ciclistas são gente esquisita que deve fazer ioga e praticar meditação, suspeitava PIB.

Tudo gay!

Já incorporara para si mesmo a frase genial de Pondé.

Meu carro pequeno não contribui para o aquecimento global.

No churrasco de domingo, ia soltar essa. Teve um breve lapso de inquietação quando se deu conta de que os brasileiros que tanto contribuíam para a elevação do pensamento nacional já não eram tão novos assim.

O próprio Merval era imortal apenas pela sua contribuição às letras, reconhecida pela Academia. Então lhe veio à cabeça a juventude sábia e influente de Luciano Huck, e ficou mais sossegado.

A mulher não percebeu quando ele chegou. Não era culpa dela. A televisão estava ligada com som alto na novela da Globo. PIB lera várias vezes que as novelas tinham uma “missão civilizadora” no Brasil.

Mais uma dívida dos brasileiros perante Roberto Marinho: a perpetuação das novelas cvilizadoras. A mídia impressa brasileira reconhecia a missão civilizadora na forma de uma cobertura maravilhosa das novelas.

Uma vez um leitor da Folha reclamou por encontrar na Ilustrada seis artigos sobre novelas.

O brasileiro só sabe reclamar. E reivindicar. Uma besta!

PIB deu um alô que não foi ouvido. Ou pensou ter dado. Sentou ao lado da mulher, e o silêncio confirmou para ele sua tese: depois de muitos anos de casamento as pessoas se entendem tão bem que não precisam trocar uma só palavra. Nem se tocar.

É quando o casamento chega ao estágio da perfeição: ninguém tem que fazer nada. É o estágio superior em que o matrimônio se santifica pela ausência do sexo.

A cada quinze dias, PIB tomava Viagra e descarregava as tensões sexuais com uma escorte que cobrava 400 reais.

Tá barato. Um dia ela topa beijar!

Não ligava muito para as novelas civiizadoras. Mas soubera no escritório que Juliana Paes aparecia de vez em quando pelada. Passou por sua cabeça um pensamento rápido.

Talvez eu devesse pedir para a patroa me avisar quando a Juliana Paes ficar sem roupa.

Terminada a novela, era a sua vez na televisão. Futebol. Bacana o futebol passar bem tarde, depois da novela.

Provavelmente a Globo pensara nisso para ajudar os pobres que moravam longe e demoravam horas para chegar em casa depois do trabalho.

“Boa noite, amigos da rede Globo!”

A voz do Brasil se apresentou. “The voice”, pensou PIB em inglês.

Um carisma total o Galvão. Subaproveitado. Devia estar no Ministério da Economia, e não narrando escanteios e tiros de meta.

PIB lera que Galvão estava morando em Mônaco. Sabichão. Ficava muito mais fácil, assim, cobrir a Fórmula 1. Nunca alguém da estatura moral de Galvão optaria por Mônaco para não pagar imposto.

Galvão certamente faria bonito na Dança dos Famosos de seu amigo Fausto Silva, o Faustão, outro civilizador, especulou PIB em sua mente criativa.

PIB não torcia a rigor para time nenhum. Era, essencialmente, anticorintiano. Com seu segundo saco saco de pipocas na mão, viu, contrariado, o Corinthians vencer.

Amanhã os boys vão estar insuportáveis.

PIB queria muito ver o Jô.

Era um final de dia perfeito, ainda mais porque antes havia o aperitivo representado por William Waack. PIB achava um privilegio poder ver Waack não apenas na Globo como na Globonews.

Os Marinho podiam cobrar pela Globonews, mas não faziam isso para proporcionar cultura de graça aos brasileiros.

PIB zapeava quando Waack dava suas lições na televisão, em busca quem sabe de uma mulher pelada no horário tardio, mas os fragmentos que pescava eram suficientes.

Jô. Não posso perder Jô. Uma enciclopédia. Podia ser editorialista do Estadão. Hoje ele vai entrevistar o Mainardi!

Manhattan Connection era simplesmente obrigatório, embora PIB o dividisse com vários outros enquanto manejava o controle remoto.

Outro dia PIB vira um cara que merecia atenção: Marcelo Madureira. Com sua memória fotográfica, PIB instantaneamente o reconheceu: trabalhara como humorista na Praça da Alegria. Ou na Zorra Total?

PIB bem que queria ver Jô. Ou pelo menos incluí-lo no zapeamento. Duas palavras de Jô valiam por mil das pessoas normais. Faziam você pensar e, além do mais, rir porque o cara tinha um estoque ilimitado de piadas.

Não vejo graça nenhuma no Woody Allen. Mas em compensação o Jô!

Mas não foi possível ver o gordo que ensina e alegra milhões de brasileiros.

PIB acabou dormindo no sofá, do qual sua mulher achou preferível não o tirar, e onde ele roncou tão alto quanto o som da tevê — e teve, como sempre, o sono límpido, impoluto, irreprochável dos perfeitos idiotas.

No Diário do Centro do Mundo

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