A nova onda de ascensão do fascismo na Europa e EUA

A Onda - The Wave - Die Welle

A CONTAMINAÇÃO FASCISTA

O Chefe de Redação

“Uma mentira repetida mil vezes torna-se verdade” – Joseph Goebbels, ministro do Povo, Alegria e da Propaganda de Adolf Hitler, na Alemanha nazista.

Às vezes, nem tanto, bastando para isto que seja formada uma pequena massa crítica, suficiente para funcionar como o gatilho deflagrador do processo.

A ONDA QUE DESTRÓI A DEMOCRACIA

por Ricardo Coelho *

Quem já se pôs a refletir sobre a ascensão do fascismo na Europa certamente já se indagou sobre como foi possível tantos milhões de pessoas terem apoiado tal ideologia numa altura em que a democracia ainda dava os seus primeiros passos.

Longe de ter sido um fenômeno isolado causado por meia dúzia de loucos que por mero acaso caíram do céu para a cadeira do poder, o fascismo foi um movimento com uma forte implementação popular.

Por isso interessa tanto perceber como pode ser destruída a democracia, num momento em que se retrocede de novo face ao “austeritarismo” neoliberal.

Foi com este fim que, em 1967, Ron Jones, um professor de História numa escola dos EUA decidiu montar uma experiência social que replicasse o fascismo.

O seu objetivo era mostrar aos seus alunos como era possível os alemães alegarem desconhecer os crimes cometidos pelo regime nazi durante a sua vigência, tendo apenas ganho a noção do que se tinha passado depois da queda de Hitler.

Jones criou então um movimento chamado “A Terceira Onda”, cujo objetivo expresso seria eliminar a democracia e que tinha como lema “Força pela disciplina, força pela comunidade, força pela ação, força pelo orgulho”.

DISCIPLINA E UNIÃO

No primeiro dia da experiência, Jones decide mostrar o valor da disciplina e da união, no lugar do laxismo e do individualismo associados com a democracia.

Depois de argumentar como um atleta ou um pintor apenas alcança a excelência com muita disciplina, o professor mostra aos estudantes como entrar na sala e colocarem-se nos seus lugares em quinze segundos e em silêncio, como sentar-se direito e como se comportar durante a aula.

Regras simples, mas rígidas, são estabelecidas, como a obrigação de cada aluno se dirigir ao professor pedindo a palavra, pondo-se de pé e fazendo uma intervenção tão curta e rápida quanto possível.

Desta forma, Jones consegue controlar o pensamento crítico e a dissidência. O autoritarismo extremo é justificado com a superior eficiência com que decorrem as aulas.

SUBMISSÃO E ADESÃO

No segundo dia, Jones decide mostrar aos alunos o valor da submissão do indivíduo à comunidade.

O objetivo é alcançado pondo a turma a recitar em uníssono o lema do movimento, de forma a criar um sentimento de união e igualdade.

O movimento ganha o nome “A Terceira Onda” e os estudantes são instruídos a saudar-se mutuamente com o braço direito curvado, como um misto entre a saudação fascista e uma onda. A saudação seria aplicada dentro e fora da aula, sempre que dois membros do movimento se cruzassem.

No fim do dia, muitos estudantes de outras turmas já haviam pedido a Jones para se juntar ao movimento.

Filme baseado em história real

SÍMBOLO E VIGILÂNCIA

No dia seguinte, o movimento já tem o seu símbolo, são criados cartões para os membros e uma tarefa particularmente importante, a de vigiar o comportamento dos membros do movimento, é atribuída a três estudantes.

O entusiasmo com que os estudantes aderem a todas as regras, assim como a visível melhoria no seu desempenho académico, começam a assustar o professor, que esperava maior resistência.

O historiador decide então dar mais um passo para testar até onde os estudantes estariam dispostos a ir.

Ordena então à turma que marque a sala de aula com uma faixa, que impeça qualquer não-membro da “Terceira Onda” de entrar na sala e que assuma a tarefa de recrutar novos membros.

Qualquer estudante recomendado por um membro do movimento pode aderir ao mesmo, desde que Jones o autorize. Como consequência, o grupo começa a expandir-se.

Foi nesta altura que Jones se apercebeu que a sua experiência social tinha resultado bem demais, tendo ganhado vida própria.

Começam a chegar-lhe aos ouvidos denúncias de estudantes que não estariam respeitando as regras do movimento ou que teriam expresso reservas quanto às suas atividades, mesmo da parte de estudantes não designados como “bufos” de serviço.

Um aluno chega ao ponto de começar a segui-lo para todo o lado, apresentando-se como o seu guarda-costas pessoal.

ORGULHO

No quarto dia, Jones decide acabar com a experiência com uma encenação.

Junta a turma, então estendida para 80 alunos, numa sala e dá um discurso sobre a importância do orgulho em serem os melhores da sociedade.

Prossegue “revelando” que a “Terceira Onda” é na realidade um instrumento para recrutar jovens para um movimento que espalhe pelo país os ideais que o professor havia transmitido durante a semana.

Para dar maior seriedade à encenação, Jones solicita aos três “guardas” que expulsem da sala um grupo de três alunas que sabia serem críticas do movimento.

O discurso termina com a convocatória para um comício, a realizar-se no dia seguinte, onde seria anunciado um candidato à presidência dos EUA apoiado por mais de mil delegações da “Terceira Onda” provenientes de várias escolas.

ILUSÃO DESFEITA

Chega finalmente o dia final da experiência.

Ao meio dia de uma sexta-feira, cerca de duzentos estudantes preenchem um auditório com faixas da “Terceira Onda” e repórteres estão presentes para documentar o acontecimento.

Jones entra em palco e decide mostrar o poder do movimento com sucessivas saudações perfeitamente sincronizadas, acompanhadas do slogan “força pela disciplina”.

Juventude hitlerista

Pouco depois, a ilusão é desfeita.

O professor confessa aos alunos que não existe nenhum movimento nacional chamado “A Terceira Onda” e que eles foram manipulados para se convencerem de que são superiores e para sacrificar a sua liberdade em nome do conforto da disciplina.

Prossegue argumentando que os alunos se deixaram levar pelo grupo e que adbicaram da sua capacidade de pensar pelas suas próprias cabeças.

A intervenção dramática termina com Jones mostrando um documentário sobre o nazismo, para ilustrar o lado negro da ideologia fascista a que os alunos tinham aderido de forma tão acrítica.

FRÁGIL DEMOCRACIA

A história, retratada de forma brilhante no filme “A onda” (Die Welle), mostra como a democracia é frágil e como o fascismo não é uma realidade distante.

De fato, basta-nos olhar à nossa volta para vermos como comportamentos anti-democráticos se multiplicam, desde o autoritarismo nas escolas e nas empresas até o controle e repressão policial dos movimentos sociais.

O caso da praxe nas universidades, que reproduz fielmente o modus operandi de uma ditadura fascista, é particularmente ilustrativo de como bastiões de autoritarismo podem prosperar num país democrático.

CRISE CAPITALISTA E ASCENSÃO FASCISTA

Num momento em que atravessamos mais uma grave crise capitalista, defender a democracia, nas suas dimensões política e econômica, torna-se uma tarefa particularmente importante para as forças progressistas.

A ascensão do fascismo na Europa e nos EUA (na sua versão carnavalesca do “Tea Party”), assim como a reprodução de comportamentos autoritários pelos governos que pretendem impor às populações medidas de austeridade, são sinais de alerta.

Assumir que a história não se pode repetir e que a democracia resistirá a todos os ataques independentemente daquilo que façamos pode ser um erro que nos sairá muito caro.

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* Ricardo Coelho, economista, especializado em Ambiente e Recursos Naturais.

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O Chefe de Redação


Um comentário em “A nova onda de ascensão do fascismo na Europa e EUA

  • 7 de dezembro de 2011 em 01:52
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    Bela matéria! Olhando em volta a gente se assusta…

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