Se jabuti não sobe em árvore… quem foi, afinal, que botou ele lá?

Sabedoria popular nordestina

A ARTE DE ENFIAR CHAVES NO BURACO DA FECHADURA

Por Luis Nassif *

É flagrante que o mundo fica mais lógico e objetivo sob os olhos de Ciro Gomes. Aprendeu com seu guru, Roberto Mangabeira, a desenhar um mundo ideal, no qual as ideias podem se propagar livremente, como um corpo lunar, sem atrito sequer com a atmosfera.

É importante para criar a utopia mas, depois, submetê-la a esses enfadonhos testes da realidade. E, aí, a coisa encrespa.

Na definição exemplar do presidente do PDT, Carlos Luppi, Ciro é capaz de fazer um projeto para a NASA e não conseguir enfiar uma chave na fechadura.

Em seu último pronunciamento, Ciro acusa Lula de frouxo, por não demitir o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. Até oferece a receita: um parágrafo da lei que concedeu independência ao BC, que permite a exoneração do presidente caso não cumpra com os objetivos fixados. Aí entra a milenar sabedoria nordestina que diz que, quando encontrar um jabuti em uma árvore, pergunte primeiro quem botou ali o jabuti.

No caso, o jabuti do Banco Central independente foi colocado pelo Congresso e pelo mercado. Suponha que, no primeiro mês de governo, Lula resolvesse demitir Campos Neto. O que aconteceria, sabendo-se que assumiu sitiado pelo Congresso, pelos militares, pela mídia e pelo mercado?

1. Haveria enorme agitação e terrorismo no mercado.
2. Em vez de falar da gravata de Lula, os jornais dariam manchetes diárias sobre o caso.
3. A desconfiança se espraiaria sobre o governo, tirando qualquer condição de resistir ao Centrão ou, ao menos, negociar com alguma condição melhor.
4. Os jornais esqueceriam que, na próxima esquina, ainda está viva a hiena do bolsonarismo e começariam a propor uma nova rodada de impeachment.

Ilustração para análise política

A estratégia brilhante que Fernando Haddad montou para Lula consistiu no seguinte:

1. Aprovação do arcabouço fiscal, uma forma mais flexível que a Lei do Teto mas, ainda assim, suficientemente restritiva para contentar o mercado.
2. A confiança em um comportamento mais positivo da economia, possibilitando aumento da arrecadação além das previsões iniciais, e ajudando a cumprir as metas de superávit primário.
3. Entrada de programas como o Bolsa Familia, ajudando a irrigar a economia e a melhorar o astral geral.
4. Com a melhora das expectativas, maior ingresso de dólares, apreciando o câmbio e reduzindo a pressão de alimentos e energia na inflação.
5. Com a recuperação do otimismo, esvaziar os argumentos de que se vale Roberto Campos Neto para manter a Selic elevada. Ao mesmo tempo, fortalecer-se junto ao Centrão para a aprovação das reformas posteriores.

Estou entre os que julgavam, no início, que o governo poderia ter sido mais atrevido nas barganhas, e oferecido maior flexibilidade para os investimentos públicos.

Mas não há como deixar de reconhecer o sucesso da estratégia. Hoje em dia, Roberto Campos Neto é um ectoplasma rejeitado até pelo mercado. E até fica possível a Lula seguir a recomendação de Ciro, se o presidente do BC não cair antes, de maduro.

A diferença entre Ciro e Lula é o “suponhamos”. Ciro resolve tudo com a palavrinha mágica: “suponhamos” que houvesse condições políticas para demitir Campos Neto; “suponhamos” que não existisse Centrão, mídia, um Estado destruído. O “suponhamos” é o caminho mais fácil para abolir das análises essa figura chata, castradora, chamada realidade.

Enquanto isto, Lula desenha a estratégia e sabe colocar a chave na fechadura.

* Fonte: Jornal GGN

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